sábado, 4 de junho de 2016

Y, se murió de lágrimas. "Maria Candelária", por Thayná Torella




 
 
Pensando nos dias atuais, em que o Brasil sofre um atentado contra sua democracia. Em que a Cultura é dada como inimiga, e o cinema nacional tenta legitimar sim um lugar já alcançado. É Maria Candelária de Emilio Fernandez em 1944, que abre o caminho para o cinema  latino-americano no exterior. É neste ano em que pela primeira vez exibe-se um filme latino-americano no Festival de Cannes, e seria este também o filme que ganharia a “Palma de Ouro”.O filme carregado de símbolos e signos, sustenta o moralismo da época. Maria Candelária aqui, filha da puta, carrega o fardo da história da mãe, morta apedrejada pela população da Vila.
 
Essa mesma população persegue Maria Candelária Madalena de Guadalupe. Sim,porque seria esse o nome ideal da personagem. O filme mostra a moça santa e inocente,que precisa ser despregada da história da mãe. Maria Candelária não tem culpa por ter tido uma mãe que descumprisse os valores morais da época. E é o que o filme prega, olhar para o lado da compaixão. Um reforço cristão a narrativa. Mas, se o filme se passasse hoje, Maria Candelária seria puta sim, e deveria ser respeitada por isso. Isso se falarmos na cena B de Cinema, porque o conservadorismo não seria coisa apenas da
época, ele ainda permeia, e muitas vezes camuflado nos filmes atuais.
 
Com uma mise en scène troncha, mas suntuosa. É perceptível que aquele não é o México retratado. Aqueles índios postos em cena, e a megalomania dos cenários, tudo herança dos grandes estúdios hollywoodianos, tudo Douglas Sirk, e que não passa de uma realidade fake e estereotipada.
 
Mas, o que teria valido nesse filme afinal? - Seria tudo fake?
Não saberia dizer se seria tudo tão inverossímil e se seria este, o verdadeiro caminho a se fazer ao refletir o filme. Neste momento, deveríamos desapegarmos da fake paisagem do México e apegarmos apenas a imagem de Maria Candelária e Lorenzo Rafael.
Porque afinal das contas, o filme fala do amor de ambos, e de como existem tantos empecilhos para que ambos se casem. E é nisso que o filme ganha como melodrama.Ele tem um cenário legítimo dos acontecimentos injustos da vida. Não é com o cenário que ele alcança seu público, mas sim com a verossimilhança dos problemas do homem e da mulher numa sociedade real. O público se identifica àquele cenário de dor, e de certa forma exorciza a dor real frente a tela, chorando a cada lamurio de Maria Candelária.
 
Acredito que assim como as novelas televisivas mexicanas/brasileiras/colombianas, o melodrama aqui, consegue alcançar um público que busca apenas se emocionar, por uma narrativa de sensações e emoções, e apelar ao som e a imagem, não é recorrer a um recurso fora do caminho. É tudo válido. Até apelar ao rosto bonito de Dolores Del Rio, que nos tira o fôlego, numa atuação visivelmente encenada, mas que passa desapercebida comparada a atuação da estrela.



“Yawar Mallku”(1969): Jorge Sanjinés e a construção de um cinema latino-americano rebelde, por Rannier Venâncio de Asevedo Silva




Acho que o primeiro fato histórico relevante a ser levantado para começar a dissertar sobre esse grande filme, é que anos antes morreu em terras Bolivianas o grande guerrilheiro Latino-americano Ernesto Guevara de la Serna, dando início a uma nova construção revolucionária na Bolívia, o que é completamente defendido pelo filme.

Yamar Mallku ou Sangue de Condor, como se vê na maioria das traduções, vem para colocar situações da materialidade vivida por Sociedades Indígenas nas regiões andinas perto da cidade de La Paz. O filme gira em torno de uma grande discussão crítica estrutural da situação dos Estados Unidos em relação à América Latina, econômica e culturalmente. Com uma rebeldia muito grande o diretor vai mostrar seu ponto de vista extremamente revolucionário, impulsionando a cada cena mas críticas a forma como acontecem as desigualdades sociais, e colocando questões essencialmente vividas por indígenas, como é a grande proposta do diretor durante quase toda a sua obra.
O enredo se passa na vida de dois irmãos e a mulher de um deles. Os dois ficam como dois "tipos" de histórias, formando como um dualismo. Um é líder político na sociedade indígena tradicional ao qual vive, e o outro é empregado de uma indústria, proletário urbano. A mulher é casada com o líder político da sociedade indígena, e esta na pior situação do enredo, pois perde seus 3 filhos, e recebe a informação de um conselheiro espiritual de que não poderá ter mais filhos. E começa ai, numa cena de angústia que se questiona a intromissão dos filantropos estadunidenses em sua comunidade em relação à chegada dessa doença infecciosa que matou os filhos dos indígenas e o que estava deixando suas mulheres inférteis em relação a ter mais filhos.

E então o filme vira-se para essa questão: a causa das mortes dos filhos e a esterilização das mulheres da comunidade esta completamente associada a chegada da "ajuda" de norte-americanos que implantaram uma maternidade para atender as mulheres da comunidade prometendo-as tratamento saudável, para contribuir com o seu "desenvolvimento", como é abordado na cena da entrega de roupas feita pelos norte-americanos aos indígenas, cena rebelde diria. A partir dai o desenrolar e ruim para esses 3 indígenas. O líder político, como não apoiava a vinda e o trabalho desses gringos na comunidade, descobre e arma a morte dos norte-americanos, o que leva à sua morte efetivada pela polícia que funciona no filme como reguladora e legitimadora dos gringos. O outro irmão da cidade esta na questão em segundo plano: ajudar o outro, líder político, baleado pelos policiais de sua comunidade, a conseguir sangue num hospital em La Paz para ser operado.

Um comentário recorrente, e que para mim funcionou bem, porém bem criticado, foi a linha temporal do filme, indo para o passado e presente tranquilamente. Essa foi uma das únicas críticas mais recorrentes levantadas em torno desse filme. Segundo alguns indígenas essa linha de tempo atrapalhava no entendimento do filme por alguns. Essas são questões que Sanjinés vai levantar muito bem, pois a partir daí ele inicia o trabalho em torno de "filmar com o povo".

Jorge Sanjinés "es quizá el director de cine más importante de Bolivia, sus trabajos de fuerte contenido político han sido reconocidos en todo el mundo y em nuestro país se han convertido en proclamas de aquellos que en épocas de ditadura fueron callados."(OPORTO). Esse diretor se destaca em vários aspectos cinematográficos, mas todos eles de um aspecto político revolucionário e rebelde muito forte. Atento muito mais para a questão da construção e do fortalecimento da Guerrilha Armada na Bolívia, e que ela tinha que ser essencialmente indígena, ai voltamos lá para o começo da resenha pensando no Che.

Em todo filme vemos concepções marxistas em jogo, como a cena da espera do irmão que vive na cidade para falar com um médico em um Jockey Club para brancos e ricos em La Paz. Mas o diretor não se prende em demagogias ou faz panfletagem, ele indica um caminho revolucionário no filme, muito claro: o caminho da luta armada. A cena da morte dos gringos pela revolta da comunidade na certeza dos acontecimentos, é como um "clip movie" de bandas norte-americanas ao som de rock e muita dança...

O filme mexe com o espírito revolucionário do espectador, e mexe bem. Ele desenvolve senso crítico em relação a situação dos indígenas e campesinos latino-americanos. Uma situação retratada por um filme em 1969 se retrata novamente no Brasil em 2013 quando policiais matam o camponês Cleomar da LCP (Liga dos Camponeses Pobres), em Rondônia. O clima que fica ao final é otimista, com armas nos punhos para cima, com céu de fundo, indicando a liberdade à partir da luta revolucionária armada.

O pagador de promessas, por Macário Hartnett


 
 
 
O que é a fé? Até que ponto um homem pode aderir as suas crenças espontaneamente? O homem tem o direito de pensar por conta própria? As crenças de um homem devem conformar-se a um conjunto de dogmas pré-estabelecidos por uma instituição que favorece os interesses da classe dominante?

O pagador de promessas é um filme de Anselmo Duarte, ganhador da Palma de Ouro em Cannes em 1962. O enredo simples do filme parece inicialmente se propor a responder apenas a primeira das perguntas sugeridas acima.

O humilde Zé do Burro (Leonardo Villar) caminha sete léguas debaixo de sol e chuva, acompanhado pela esposa Rosa (Glória Menezes) e carregando uma pesada cruz nos ombros para se prostrar em frente ao altar da igreja de Santa Bárbara em Salvador e agradecer por uma graça alcançada.

A graça é a salvação de Nicolau, o seu melhor amigo, que fora atingido por um raio durante uma tempestade. Ao descobrir que Nicolau na verdade é um burrinho, e que a promessa fora feita em um terreiro de macumba, O padre Olavo (Dionísio Azevedo) não permite a entrada da cruz na igreja. Assim tem início a trama do filme.

Na Divina Comédia, Dante Alighieri narra em versos a árdua jornada de um homem que desceria até as profundezas do inferno, cruzaria o purgatório e se elevaria até o paraíso - apenas para contemplar, uma última vez, o rosto de sua amada. Zé do Burro não teria tanta sorte. A Igreja de Santa Bárbara é o paraíso onde Zé almeja entrar com sua cruz. O inferno é representado por um antro de perdição, o bar no outro lado da rua onde a esposa do protagonista é seduzida por um cafajeste. Nosso herói é condenado a aguardar sua sina na escadaria da Igreja, o purgatório.

A partir de um conflito simples – a religiosidade espontânea de um sertanejo em oposição aos dogmas da Igreja – o enredo estabelece em microcosmo um emblema da luta de classes marxista. Zé do Burro é o representante do proletariado que, contra a sua vontade, acaba indo de encontro aos interesses de uma instituição poderosa e autoritária. Sozinho ele é incapaz de derrotá-la. Contudo, o final do filme revela a crença do diretor que o povo unido é capaz de vencer qualquer barreira. Vale lembrar que o filme foi produzido no final de um breve e conturbado período de democracia no Brasil, marcado pela luta política acirrada entre a direita e a esquerda.

O filme execra a Igreja com vigor, porém faz isso utilizando-se da simbologia do catolicismo com uma vividez impressionante: após um período exaustivo de provações, é somente na morte que Zé do Burro tem o direito de cruzar o limiar que o separa do paraíso. E ele adentra as portas do céu estendido sobre uma cruz. Ele não é mais Zé do Burro. É o mártir do povo que morreu para o redimir. Ele é, a um só tempo, Che Guevara e Jesus Cristo.

O pagador de promessas foi produzido imediatamente antes do período mais sombrio da História recente do Brasil. Se durante a guerra fria ainda existia no país uma débil esperança de mudança social através do socialismo, essa crença desgastou-se gradualmente com a ascensão das ditaduras de direita no continente, a queda do Muro de Berlim, e a posterior eleição de líderes de Estado no Brasil que se diziam de esquerda, porém que na prática não se mostraram moralmente superiores aos sórdidos governantes de direita que os precederam. Se por um lado a situação atual do país é crítica, por outro ela é análoga a momentos anteriores de nossa História. Mais de meio século se passou desde a primeira exibição de O pagador de promessas. Contudo, as questões levantadas pelo filme permanecem tão atuais quanto eram na data de seu lançamento.   

"Los olvidados", por Lucie Berthet



Buñuel realizou "Os esquecidos" num momento em que o México, após da revolução de 1910-1920, estava tentando se reconstruir nacionalmente através da construção de uma identidade mexicana coletiva. Isso explica porque a pintura violenta de um grupo de adolescentes na periferia mais pobre do México foi muito mal acolhida pelo público mexicano, que, nessa época, preferia documentários nacionalistas como "Memórias de um Mexicano" de S. Toscano, realizado no mesmo período que "Los Olvidados" e muito mais exitoso. Assim, como enuncia Braganças, “Todo documentário é mentira”, sendo necessário analisar suas condições de produção. Em "Os esquecidos", Buñuel não se contenta com mostrar a pobreza e a violência, mas também explica, diante o perfil de Pedro e Jaibo, dois meninos carecendo de afeto que terminam roubando e matando na rua para sobreviver. Esse retrato afinado do declínio dessos dois adolescentes é fruto de meses pasados morando nas favelas do México com o fim de observar a realidade de forma mais precisa possível. “Esse filme inspira-se de fatos reais, nenhum personagem é ficticio”, ele avisa no início do filme. De fato, o filme não fala da miséria no México, porém tenta revelar, acima de tudo, o drama social que joga-se baixo os olhos dos cidadões mexicanos mas que ninguém vê.
Como o sugere o título, o filme todo lembra esse tema do esquecido o, melhor dito, do “não quer-ver”: canção do cego no início, o carro « Me Mirabas » do homem-tronco, os adultos ausentes. De fato, as crianças são esquecidas por suas famílias como são pela sociedade: os pais do Ojitos que nunca vieram buscar-lhe no mercado, o pai alcoólatra do Julian, a mãe que não ama seu filho, o Jaibo que nunca conheceu seus pais. Ademais, tanto o cego como o diretor da escola-fazenda reconhecem a incapacidade da sociedade e da família para educar suas crianças. Diante do personagem da Marta, Buñuel também desconstrói a figura da mãe mexicana, o que indignou profundamente o público mexicano.
Porém, nesse filme, Buñuel não julga. Não acusa a sociedade que tenta ajudar, propondo uma escola para Pedro, mas dá conta de uma situação que parece ter a morte como única saida. De fato, liando seu gosto pelo naturalismo social a suas origens surrealistas, o autor consegue filmar a miséria sob seu aspecto mais terrível: um ciclo infernal do qual não se pode escapar. “Ah se pudéssemos encerrar a miséria para sempre!”,  sonha o diretor da escola quando manda Pedro à cela para acalmar-se. Mas não podemos encerrar a miséria. É a miséria que encerra, apoiada no seu trabalho pela ignorância-tolerância da sociedade que finge não saber. O personagem do cego constitui uma alegoria desse público cego ao que Buñuel tenta abrir os olhos “Uno menos ! Uno menos ! Ojala les poderian matar a todos antes de que nascen !” ele profere no final do filme no modelo das soluções radicais do governo Diaz. Mas a miséria não se erradica assim e a violência é o vetor que o permite propagar-se como uma gangrena. O filme inteiro fica construído por elementos que lembram essa ideia de “circuito fechado”. De fato, começa por uma imagem de corrida, arena fechada na qual as crianças debatem-se, sofrendo, mas incapazes de escapar. Estão espancados por seus semelhantes, o que acentua a impressão de circuito fechado: é o ser humano mesmo que inflige o pior tratamento possível e encerra ao outro. A repetição das cenas das galinhas batidas fortalece também essa ideia de encerramento. O fato de que sejam atuadas pela mãe e depois o Jaibo que pode assimilar-se ao pai fictício do Pedro antes do que o adolescente mesmo reproduzisse essa ação participa dessa ideia de determinismo. De fato, Buñuel acredita que somos vítimas de nosso meio de origem e tem, então, um olhar compassivo sobre os seus personagens. O travelling final que sai de Pedro para perder-se no céu sugere uma libertação que só pode conseguir-se na morte.
 
Portanto, o estudo documentário realizado por Buñuel não se restringe apenas ao realismo, mas combina-se com imagens surrealistas e oníricas. Todo os elementos do filme participam da criação desse ambiente: o sonho culpado do Pedro depois do assassinato do Julian, assim como o sonho do Jaibo no momento de sua morte, lembram a dimensão onírica da obra de Buñuel com uma piscadela ao cachorro perdido do Cão Andaluz. Várias cenas ilustram também a superstição, como a cura diante da pomba, o fetiche ilustrado pelo colar de dente do Ojitos, até o erotismo com as cenas de Meche e Marta lavando-se as pernas com sensualidade. A música geralmente composta de flauta, instrumento onírico por excelência, participa também da criação desse ambiente de sonho e a técnica do fundo preto borrifa o filme de elipses parecidas com as que poderíamos ter num sonho. Enfim, as galinhas que aparecem de todos lados adicionam uma dimensão irracional ao filme.
 
Porém, essa realidade não é sonhada, o que demostra a reação violenta dos mexicanos ante esse formidável poder cinematográfico, reafirmado por Buñuel. Assistimos um filme para nos divertir, para sonhar, mas o cinema, como um espelho, nos mostra nossa verdadeira cara, tal como somos. Buñuel manuseia seu público para o obrigar a duvidar da ordem existente ainda que não tome verdadeiramente partido. A cena do ovo que Pedro joga na janela da escola-fazenda constitui uma última chamada ao resgate que se esmaga na parede da ignorância do público, a câmera se tornando no seu próprio olho. Essa parede de vidro-tela que separa os personagens do mundo real pode então simbolizar a fronteira da miséria, ante esse mundo real inacessível que os esquecidos poderiam alcançar em teoria, o que nunca acontecera ainda que com o filme de Buñuel tente criar, para eles, uma abertura.


"Vidas secas", por Lara Novais

 
 Uma família de retirantes, cruza o sertão nordestino em busca de uma vida melhor, fugindo de seu trágico destino assolado pela miséria, fome e a dura seca da região. Fabiano, sua esposa Sinhá Vitória, junto com seus dois filhos, o papagaio de estimação, e a fiel companheira da família, a cachorrinha Baleia, são os personagens que representam e simbolizam uma realidade brasileira dos anos 1940.  
Vidas Secas de Nelson Pereira dos Santos, é uma adaptação do livro homônimo de Graciano Ramos. O filme é um dos prógonos do Cinema Novo Brasileiro, movimento de teor revolucionário que procurava abordar, explanar e denunciar os problemas sociais eminentes no país, onde os sertões se tornam os principais cenários escolhidos pelos cineastas do movimento.

As escolhas desses espaços talvez sejam motivas, pela eficiência de representação de vários Brasis. No Sertão é possível representar o proprietário rico, os sertanejos subalternos mergulhados na miséria, e o cangaceiro como o rebelde. Por serem espaços fechados em si próprios, se torna de certa maneira, possível, reproduzir aquilo que acontece no país em geral, espaços que alegorizam o que seria o país como um todo, as diversas classes sociais, e as diversas tensões existentes, micro histórias que condensam uma representação maior.

O ambiente pano de fundo, é refletido nos movimentos e ângulos da câmera, com uma estética dura e seca. A maneira como Nelson Pereira do Santos enquadra sua câmera, faz com que a paisagem do sertão, acabe virando um outro personagem que também participa da ação. Logo na primeira cena, o plano geral mostra os personagens distantes, ao fundo, determinando sua posição de impotência diante do ambiente que se encontram.

Tomada pelo cansaço, fome e a falta de esperança, Sinhá Vitória mata o papagaio de estimação para alimentar sua família. O filme traça um lado positivo do bicho e um traço negativo do humano. A brutalidade das circunstâncias e do lugar, permite tomar decisões difíceis e frias, justificadas pela dureza da situação e pela emergência da necessidade de sobrevivência. O comentário que Sinhá Vitória faz sobre a insignificância e inutilidade do papagaio, é como se fosse, uma espécie de desculpa, de proteção, e defesa para enfrentar essa situação limite. O filme vai se construindo de forma que o espectador sinta mais simpatia por Baleia, do que até mesmo pelas crianças. Animaliza os humanos e humaniza os bichos.

Muitas vezes a câmera nos coloca na posição dos personagens, na perspectiva do personagem. Uma das cenas mais marcantes, tristes e pesadas do filme e porque não do cinema brasileiro, é a morte da cadela Baleia. Uma coisa rara no cinema, é a câmera subjetiva

do olhar da cadela, a câmera é colocada no ponto de vista de um animal. A decupagem, os enquadramentos, e a cena muito bem estruturada, nos permite criar uma empatia pela cadela e nos emocionar com a sua morte. É utilizado muitas vezes no filme, a projeção que se dar em nós, a partir do ponto de vista dos personagens.

A encenação dos atores é extremamente realista, não é exatamente naturalista, pois nesse há uma percepção de que se trata de uma encenação em busca da naturalidade, em que os atores tentam interpretar de maneira natural. Não é o que acontece em
Vidas Secas, aqui se tem uma interpretação neo-realista. Apesar de Fabiano, Sinhá Vitória, o fazendeiro, e parte do elenco, com exceção das crianças, serem representados por atores profissionais, vemos uma interpretação quase que documental, a impressão que passa, é que eles não estão interpretando, mas na verdade, são aquelas pessoas, que andam, falam, comem e vivem daquele jeito.

O filme foge do melodramático. Um exemplo é o momento em que eles encontram uma casa fechada. Sinhá Vitória e Fabiano, sentam-se em baixo de uma árvore, e por um momento se olham, porém, a situação é tão dura, cruel, e violenta, que até um gesto de afeto seria inadequado.

A forma como
Vidas Secas trabalha a questão sonora, é sempre realista e diegética. Todos os sons, músicas que se ouve do filme são diegéticos. Com exceção do início e do final, o som do carro de boi, quando não há um carro de boi em cena. Aqui Nelson Pereira trabalha o som, como uma indicação de um movimento perpétuo, dar o efeito pesado da repetição, da recorrência.
A sensação transmitida por um começo e um fim que se repetem, é uma ideia de desesperança, quando as coisas se iniciam e se findam de forma análoga, sugere uma percepção de coisas imutáveis, de um ciclo sem fim. A partir dessa perspectiva, é como se a história dos personagens, sempre se pautasse por um tema recomeço, esse eterno retomar do início, como se não houvesse, escapatória para essa sina, para esse destino não reconhecido, trágico e sem solução.

Como tantos outros filmes produzidos sob influência do movimento revolucionário do Cinema novo,
Vidas Secas se utiliza da aridez do sertão e denuncia a miséria, o sistema explorador, e as consequências absurdas da má distribuição de terra no Brasil.

"Simão no deserto", por Junior de Mello



Simão no Deserto (Luis Buñuel, 1965) tem a duração de 45 minutos aproximadamente. Começo minha resenha com essa informação, pois ela é fundamental para o pleno funcionamento da obra: ela acabou ficando com o tamanho ideal para a proposta do diretor. Diferentemente dos seus melodramas mexicanos,  Buñuel traz de volta o surrealismo inicial dos seus trabalhos europeus.
O filme mostra a história de Simão (Claudio Brook), uma espécie de profeta auto penitente, que é a perfeita mistura entre os profetas bíblicos Jesus Cristo (milagreiro) e Jó (sofredor), encarnados em um humano contemporâneo. Ele decide abdicar da vida (que vida?) normal e passa a viver em cima de uma espécie de coluna romana que encontra-se no meio do deserto, pois assim ele acredita que irá aproximar-se de deus, mas o que ocorre é o contrário, satanás em pessoa, ou melhor, na pele da belíssima e tentadora Silvia Pinal, é que aparece para aprontar de tudo um pouco com nosso coitado herói.

É ai que o filme ganha o público, através do contraste das tentações do diabo contra Simão. A primeira destas tentações, quando a bela diaba se mostra com a aparência de uma ninfeta pura, ou melhor, nem tão pura assim – uma verdadeira Lolita – e se insinua sexualmente para nosso homem de fé. A cena tem três sequências bastante ousadas. Em uma, ela no alto da pilastra, lambe de forma libidinosa, o rosto de Simão. Ela também levanta a saia e mostra as belas pernas com espartilho, depois desabotoa a blusa e exibe o seio. Estas cenas são de um erotismo imenso, a ponto de arrancar reações químicas ainda nos dias atuais, que o diga na época em que o filme foi gravado. Além disso há algo de profano ao misturar temas religiosos com erotismo.

A diabinha não se dá por vencida, e continua suas diabruras contra o pobre Simão. Hora ela tenta caluniar o mesmo, possuindo um dos clérigos admiradores dele, hora ela possui um padre e tenta persuadir nosso homem de fé. Talvez o ápice da obra seja quando ela aparece vestida de deus, com vestes brancas, segurando um carneirinho, e tenta, na lábia, persuadir mais uma vez Simão a abandonar sua penitência e descer da pilastra, mas seu esforço é em vão, pois ele percebe que ela é o satanás e não cai na sua conversa. Quem sofre com isso é o carneirinho, que é jogado no chão e leva um chute digno de futebol americano – pobre criatura.

A verdade é que apesar de toda a dramaticidade do protagonista, Simão no Deserto não comete os excessos de outras produções mexicanas, como por exemplo Maria Candelária, e mesmo o protagonista possuindo de fatos poderes divinos – já que na primeira cena do filme ele, através de uma oração, faz nascer as mãos de um bi-ampultado diante de uma multidão, esse lado milagroso é deixado em segundo plano a partir dai (ainda bem).

Mais adiante, acabamos nos surpreendendo com o desenrolar final da trama, que se dá longe do deserto, em um contexto totalmente diferente. Simão no Deserto é uma ótima opção para quem gosta de bons filmes. É bem bolado, bem humorado, mas tudo na medida certa, sem exageros. Apesar de não possuir um espanhol muito afiado e a única cópia que encontrei na web estar sem legendas, a experiência foi bastante boa, sinceramente, gostei bastante do filme.

 

"La otra", por Jeniffer Barbosa





                Estrelado por Dolores del Río, La Otra, filme de Roberto Gavaldón, de 1946, mostra as irmãs Mendéz. Magdalena, rica, acabou de ficar viúva e com a fortuna que o marido lhe deixara. María, pobre, trabalha como manicure e precisa aguentar os assédios em seu ambiente de trabalho. María é ambiciosa, que ser rica, e seu romance com Roberto parece não bastar. Tomada pela inveja, María resolve matar a irmã e se colocar no lugar dela. Ela forja uma carta de suicídio, chama a irmã para ir até onde ela mora e depois de disparar um tiro contra a irmã, María troca as suas vestes pelas da irmã e desde então passa a viver como ela. Primeiramente, María fica um tanto paranoica e vê símbolos do crime dela por todos os lugares, seja numa simples sombra, seja numa pequena imagem de “anjo da morte” que há no relógio da casa da irmã. As pequenas diferenças entre as duas, María parece ultrapassá-las com sucesso, como o fato de usar óculos para ler – Magdalena não precisava – e precisar assinar coisas no lugar da irmã, mas depois de um tempo ela percebe que Magdalena tinha problemas que ela não imaginava. Magdalena tinha um cúmplice que a chantageava e durante o decorrer do filme é descoberto um crime que ela havia cometido, então María precisou pagar o pato.

                O melodrama de expressões marcadas de Dolores del Río não foi diferente em La Otra. Apesar de representar gêmeas, ela conseguiu deixar cada personagem diferente a sua maneira, até mesmo no momento em que María passa a ser Magdalena. O filme conta muito com luzes e sombras, o que deu mais o clima de suspense, da mesma maneira que o som ajudou muito nesse ponto. É notável o uso de simbolismos, como na cena em que María mata Magdalena e no momento do disparo mostra uma espécie de piñata - que acabara de ser acertada – com apenas a cabeça pendurada e com lágrimas e uma expressão triste pintada no rosto. 

"Macunaíma", por Igor da Silva Pessoa


 
 
Mário de Andrade, há quase cinquenta anos, escrevia Macunaíma, que passaria a ser considerado um clássico da literatura brasileira. Macunaíma, conta a história de um menino, que nasceu preto e que depois de alguns acontecimentos se torna branco, uma pessoa sem moralidade, com muita preguiça e ''esperteza'', nascido em uma selva. Quando crescido, deixa o sertão e vai para a cidade, onde se aventura em várias situações, conhecendo vários tipos de pessoas.

A crítica ao povo brasileiro, é evidente a cada instante em Macunaíma. Sendo o personagem central da trama, como um representante do povo brasileiro. Que teoricamente não teria um caráter próprio e de uma cabeça ingênua. Joaquim, traz no filme atuações caricatas e bem cômicas, criando um retrato do público criticado.

A fotografia do filme parece ter sido cara para a época, vemos muitas alegorias de cores em cada quadro. A linguagem do filme pode confundir um pouco o telespectador, mas, passado o inicio da película, você vai se familiarizando. Para a época, Macunaíma foi importantíssimo para uma renovação da linguagem escrita no Brasil. A obra fílmica consegue deixar a crítica social, mais cômica e leve para o público.

A uma certa releitura de obras clássicas do folclore nacional, que permeia todo o filme. Em vários momentos o personagem principal, interage com esses personagens folclóricos. Os acontecimentos do filme, não tem um espaço-tempo definido. O espaço é claramente o território nacional, com todas as características que as nossas terras tem. Entretanto, o tempo não fica claro.
Joaquim Pedro de Andrade tem a trabalhosa missão de adaptar a obra de Mário de Andrade. Embora deixe alguns elementos da obra, fora do filme, Joaquim resgata a essência da crítica feita pelo escritor paulista, conseguindo fazer uma releitura com um ar de modernidade a uma obra já consagrada. Tentando descontruir uma imagem criada pelo próprio povo brasileiro e ao mesmo tempo fazer uma sátira aos comportamentos e personalidades típicas das terras tupiniquins.

 
Toda essa aventura tropicalista enche os olhos, seja pelo visual que é belo, seja pela roteiro devidamente bem adaptado. Macunaíma é um dos filmes mais importantes do Cinema Novo, que se permitiu fugir dos padrões linguísticos da época. A irreverência desta obra ecoa até hoje, bravura e mérito para Joaquim de Andrade.

"Soy Cuba", por Gabriella Soares do Nascimento


Em 1962, quase dois anos após a criação do ICAIC(Instituto Cubano de Arte e Cinematográfico), a equipe soviética comandada pelo o diretor russo Mikhail Kalatozov desembarga nas terras quentes onde aconteceu a primeira Revolução Socialista da América Latina. Soy Cuba, uma produção entre o governo russo e cubano seria um panfleto cinematográfico da revolução. Ousadia, expectativa e responsabilidade marcaram a passagem das/dos companheiros(as) soviéticos pelas terras cubanas.

Instigados por um desejo de descoberta e entusiasmados pela missão de sintetizar Cuba em quase 2 horas e meia de filme. Soy Cuba selou uma amizade cinematográfica das lentes poéticas do diretor de fotografia Serguei Urusevski e Kalatozov, juntos mergulham e navegam pelo o que viria ser Cuba. A voz feminina em off anuncia: "[...] Meu açúcar, seus braços levaram. Minhas lágrimas, eles deixaram. Que estranha coisa é o açúcar, Sr. Colombo. Ele contém muitas lágrimas e, ainda assim, é doce." E foi através do açúcar que Urusevski quis sintetizar Cuba. Com uma fotografia cristalizada e quente, o poder imagético de Soy Cuba surpreende qualquer pessoa. Para captar tais imagens, o diretor de fotografia contou com um equipamento negativo e infravermelho, naquela época era de uso exclusivo do governo soviético. Para obter os resultados belíssimos, a produção de Soy Cuba investiu, também, na iluminação. Cada plano foi milimetricamente pensado. Mais tarde, com o lançamento do filme, alguns críticos afirmavam que Soy Cuba era um trabalho autoral de Urusevski. Motivo: para eles, a forma tinha ultrapassado o conteúdo, e a fotografia tinha abafado todas as outras ramificações da obra.

Sejamos honestos, Soy Cuba é um filme milimetricamente pensando em todos os aspectos. Pela parte de Kalatozov é incrível o manuseio que o diretor faz com cada plano sequência. Aliás, vários planos sequências presentes em Soy Cuba e todos com uma dificuldade enorme de execução. Além disso, a escolha dos enquadramentos caiu muito bem com a proposta de Kalatozov. A cena mais emblemática que resume toda a dedicação de Kalatozov ao filme, é o enterro do estudante Enrique. Um plano sequência onde a câmera flutua pela multidão, pela a bandeira erguida de Cuba pelos os trabalhadores de uma fábrica de tabaco, mostrando o que era ser cubano naquele momento.

A grande frustração daqueles que esperavam o filme, tem nome: o roteiro. Para os espectadores cubanos e soviéticos, a narrativa não apresentava a instiga da Revolução. Eles esperavam panfletos declamados e Kalatozov põe isso de forma poética. Soy Cuba é divido em quatro contos, não há protagonistas, inspirados pelo o realismo socialismo, todos eram protagonistas. Apesar disso, como não se identificar com aqueles personagens. Como não olhar para Maria, uma negra periférica latinoamericana, e não se ver ali na tela? Como não sentir a sede de mudança de Enrique, um jovem acadêmico e revolucionário. Como não lembrar do Nordeste açucareiro com Pedro e sua família. Como não ser Cuba diante de tantas semelhanças?

Infelizmente, os dois exaustivos anos em que Kalatozov e sua equipe se dedicou a produção, caiu no esquecimento logo após o lançamento do filme. Soy Cuba foi visto como um desastre, o filme passou uma semana apenas em exibição. Toda aquela beleza tinha sido arquivada, quando por uma mera e feliz ironia do destino, dois norteamericanos a resgataram. Coppola e Scorsese redescobriram Soy Cuba após uma viagem a Rússia. O filme depois de anos caído no esquecimento, é vangloriado pela critica cinematográfica. A grande lamentação é que Kalatozov não estava mais presente para ver o sucesso do filme. No mais, esta bela obra sempre nos trará o questionamento do que é ser Cuba e quem é Cuba. Nós somos Cuba, nós somos latinoamericanos

"Amores Perros", por Gabriel Henrique de Lessa Paiva


Assim como em outras produções de cinema onde início é o fim , Amores Perros (ou Amores brutos, no Brasil) também usa o recurso do flashback. Porém, não fala de uma história apenas, e sim de subtramas. Nesse contexto, o diretor Alejandro González iñarritu inseriu um acontecimento para conectar as histórias.

   Em Amores Perros, há três subtramas. A histórias inicial começa por Octavio, um adolescente que vive com sua mãe, irmão, cunhada e um sobrinho bebê. Ele deseja fugir com sua cunhada para outro lugar e daí, com o pouco de sua ganância, decide colocar seu cachorro em uma rinha para obter dinheiro. Na segunda tem-se Valeria, uma modelo muito famosa e que vai morar com o amante, Daniel, que abandona a noiva e duas filhas para viver com Valeria. E a última é a de Chivo, um andarilho catador de coisas recicláveis e também assassino de aluguel, que vive rodeado de seus cães. E há um ponto em que todas elas vêm a se conectar: o acidente de carro causado pelo Octavio.

   É a partir do ocorrido que o filme se amplia,  torna-se um marco para que as histórias se conectem. É nisto que a vida de cada personagem tenha alguma consequência futura; mudanças que ninguém espera, quebrando assim sonhos ou tomando rumos diferentes. Octavio não poderá mais fugir do local  com a cunhada, como deseja ,pois a mesma fugiu some com seu irmão e também pelo fato da falta de dinheiro, como no início de sua história; Valeria, muito bem de carreira sofre algo trágico na perna direita, ao final de tudo acontecendo algo pior; e Chivo, ao resgatar o cão de Octavio,Gali, vê-se em outro rumo depois de ocorrido com seus cães.

   Esta produção de Iñarritú é um tanto violenta, não somente uma violência física, mas a própria realidade na qual vivem. Mostra o quão cruel é o mundo. A falta de humanidade é um dos aspectos do filme, visto que na história de Octavio, sua ganância o faz participar de rinhas, além do exame direto da crueldade dos humanos perante os cães; a falta de empatia, de humanidade. E na história de Chivo, um assassino de aluguel, embora sua relação com os cães seja diferente, como se ele procurasse algo ao ajudar os animais e amá-los profundamente.

   Assim, Amores Perros é uma produção  intrigante, na qual o espectador pode se empolgar pela história de cada personagem; e também pela não-linearidade do roteiro, pela crescente tensão em toda a duração que fazem com que prenda quem o assiste, entrando em cada trama à espera de ver o que acontecerá em seu último bloco, com Chivo como protagonista, apesar de que o mesmo esteja nas tramas anteriores junto também com os cães.

"Deus e o diabo na terra do sol", por Fernanda Misao


 
O filme Deus e o Diabo na Terra do Sol lançado em 1964, um filme escrito, produzido e dirigido por Glauber Rocha, cineasta baiano, que retrata bem a estética do Cinema Novo, um movimento cinematográfico brasileiro que visava quebrar com os padrões estéticos europeus e Hollywoodianos e criar algo genuinamente brasileiro. Surge como um movimento político e cultural que mostrava a realidade brasileira de forma crua e original.

Deus e o Diabo na terra do Sol é um bom exemplo dessa estética, pois já no início temos a frase de Glauber que diz “Vou contar uma estória. Na verdade e imaginação. Abra bem os seus olhos. Pra escutar com atenção. É coisa de Deus e Diabo. Lá nos confins do sertão.” que além de retratar o conteúdo do filme, exalta também a ideia política do cinema novo, retratar uma identidade cultural brasileira. O filme que conta a história de um casal nordestino, Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães) que representam a realidade das famílias sertanejas, pessoas pobres que vivem em situações de miséria, injustiça e fome, mas que não perdem a esperança de uma vida melhor. Manuel tem um desentendimento com um coronel pra quem trabalha e acaba por assassina-lo e durante sua fuga, ele e sua esposa, se veem a mercê do pregador Sebastião. Enquanto Rosa representa a “razão”, pois é ela quem puxa Manuel de suas crises de insanidade pra realidade, Sebastião representa na trama o fervor e fundamentalismo religioso a que os desesperados estão sujeitos, pois na falta da esperança e na miséria as palavras de conforto do beato são a luz no fim do túnel e vão à busca da “terra prometida”, representado no filme pelo mar e que é a metáfora do êxodo para as grandes cidades, Rio de Janeiro e São Paulo em busca de uma vida melhor. Além disso, temos figuras que representam também o Estado por meio dos coronéis que são os representantes políticos e que controlavam as regiões e não se importavam com a situação de pobreza dos nordestinos. É nesse contexto que surge o personagem Antônio das Mortes (Maurício do Valle), jagunço que é o braço armado de um coronel e que resolve tudo na violência. A figura de Corisco é dos cangaceiros que por vezes eram o contraponto aos coronéis e que é mais um forte elemento de cultura nordestina. O filme é cheio de metáforas poéticas pra realidade do povo.

Contando com uma fotografia toda em preto e branco que aumenta a dramaticidade da película, exaltando assim todo o sofrimento vivido pelos nordestinos. A trilha sonora também é parte viva e importante, pois são feitas com vários cordéis escritos pelo próprio Glauber que as vezes funcionam como uma reiteração do que acontece em cena, outras vezes a trilha é composta por composições de Villa-Lobos que aumentam ainda mais a dramaticidade em cena. Com uma montagem e cortes quase experimentais e um inteligente uso dos ângulos de câmera mostram como Glauber sabia trabalhar com as limitações de recurso cenográficos da época – exemplo das cenas de apunhalamento – com uma atuação por vezes naturalista e por vezes teatral, funcionam bem no contexto da historia compõe a mise-en-scène de Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Todos esses elementos tornam Deus e o Diabo na Terra do Sol um ótimo representante do Cinema Novo e apesar das cinco décadas de existência, o filme ainda retrata bem a dura realidade do nordestino nos tempos atuais, mostrando que mesmo que as técnicas cinematográficas tenham mudado a realidade do sertanejo não evoluiu tanto.

 

REFERÊNCIAS

XAVIER, Ismail. Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Brasiliense, 1983. 171p. : il.

SANTOS, Tito Eugênio Souza. Entre o mar e o sertão: uma análise da narrativa de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” disponível em

"Ganga Bruta", por Felipe Peinado dos Santos


 
 
Adhemar Gonzaga em 1930, com o intuito de tentar industrializar a produção cinematográfica no Brasil, fundou a Cinédia, a primeira produtora do país. O próprio Adhemar chegou a produzir alguns filmes com a atriz e cantora Carmen Miranda, e foi um dos últimos grandes diretores da Cinédia, Humberto Mauro, que com o filme “Ganga Bruta”, fez algo de grande impacto no cinema brasileiro.

Basicamente a criação da Cinédia foi uma resposta ao mercado cinematográfico da época, na década de 20, houve o crack da bolsa de Nova York e o advento do cinema sonoro, com isso os Estados Unidos estavam mais preocupados em fornecer entretenimento para eles mesmos do que vender esses filmes falados em inglês para os outros países. Assim então havia uma chance para o Brasil deixar de importar seus filmes e começar a fazer filmes com a mesma força que a indústria americana.

 O enredo do filme é um retrato das grandes cidades na época, um homem assassina sua esposa na noite de núpcias ao descobrir que ela já havia se deitado com outro homem, e ainda é tido como inocente por ter alegado “defesa de honra”. Fora ter esse plano de fundo que pode abrir discussão para o que era costume na época, nada que seja muito marcante.

 Mas se a história que o filme conta não é das melhores, por que ele seria tão importante para o cinema brasileiro como um todo? Por que Glauber Rocha diria que ele é “um dos vinte maiores filmes de todos os tempos” e que Humberto Mauro era “pai do cinema brasileiro”? Bom, antes de “Ganga Bruta”, havia uma maioria esmagadora de filmes mudos no Brasil, porém Humberto Mauro com aquele que mais tarde seria chamado de “O Abacaxi da Cinédia”, fez diversos experimentos com esse recém-surgido cinema sonoro. No filme há cenas comuns do cinema mudo, com só trilha sonora de fundo, há cenas em que há legendas, mas sem som, cenas com legendas e falas, cenas com falas dessincronizadas, com falas sincronizadas.

Basicamente Humberto Mauro conseguiu transformar aquilo que poderia ser um filme comum que passaria despercebido, como por muito tempo passou, num marco para todo o cinema de um país, assim merecendo de fato o título de “Pai do cinema brasileiro”

"Hasta el viento tiene miedo", por David Thyago Silva


 
Hasta el viento tiene miedo é um filme mexicano de 1968, dirigido por Carlos Enrique Taboada. É um clássico do horror latino-americano e conta a história de Claudia, uma jovem que estuda numa escola só para moças e tem sonhos durante a noite que a inquietam. Neles, uma voz chama seu nome como um sussurro. O filme abre com esta cena e o som do nome de Claudia soa como parte do vento compondo uma trilha de horror tal qual uma espécie de Janet Leigh nos gritos de Psicose.

Claudia após acordar de suas visões sombrias, descobre uma torre trancada e proibida de entrar. Ela e mais umas amigas acabam vendo um fantasma pela janela da torre. A porta abre misteriosamente e elas tentam entrar, mas são descobertas pela governanta e são punidas por isso, ficando na escola no período das férias. A trama a partir daí cresce gradativamente em torno das visões de Claudia e de quem seria esse fantasma que todos passam a ver.

O horror de Taboada usa elementos do gênero, como o lugar inóspito e viradas no roteiro a cada sequencia, embora a câmera fixa no fantasma da menina logo no inicio do filme possa estranhar espectadores mais modernos e pós bruxa de Blair. Ele não é sucinto em mostrar o que põe medo no vento já no inicio do filme, ainda que seja uma imagem borrada e isso vale a pena salientar, até o final do filme não há uma imagem clara do fantasma da menina.

Toda a fotografia do filme não permite que tenha clareza nas imagens, na verdade. Uma iluminação dura é projetada em quase todas as cenas, o que acaba desenhando o tom de mistério e incertezas que ora atenua ora acentua na película. Essa oscilação amarra a direção de Taboada, mas não elimina – e nem interfere – a atuação quase novelesca do elenco. Há momentos que se aproxima do primeiro cinema, afinal a própria mise-en-scène é extremamente marcada e teatrista.

Outro ponto importante é o som. Talvez o mais importante. O filme que carrega em si que até o vento teve medo não poderia ficar isento de um som bem orquestrado. Como já dito, o som do vento serve como trilha, mas vai além. É um elemento narrativo usado como leitmotiv para as cenas de maior tensão e suspense. Sempre que escutamos o som do vento mais forte, sabemos que alguma coisa irá acontecer ou nada, como parte da estrutura do gênero.

As relações humanas amarram bem a obra. De forma não tão aprofundada, mas propositalmente perceptível, Taboada aponta para questões da repressão feminina. Isso é mostrado em varias cenas como a dança ao piano, em que uma das alunas interrompe com ameaças e acaba culminado no strip-teaser, que também tem uma reação chocante para as próprias alunas. Para que essa ideia não pareça vaga e sem sentido, citarei outro exemplo. Quando uma das alunas fala sobre seu namorado, Armando e infere questões de teor sexual sobre ele, ela é exortada pela governanta.

Ao final do filme e o plot revelado manifestar-se como um filme de vingança, é possível conectar essa questão da repressão com o mistério que rondava a vida das personagens desde o início do filme. A obra é sem dúvida importante para a filmografia de Taboada, que registrou na história do cinema latino-americano a marca do horror e do vento.

"Matou a família e foi ao cinema", por Camila Queiroz Bezerra


 

             O objetivo desse artigo é analisar as características das películas latino americanas na época e as ações sócio/culturais do filme matou a família e foi ao cinema, dirigido por Júlio Bressane, filmado e lançado em 1969.

             O filme consiste em uma série de episódios aparentemente desconectados, mas que giram em volta de uma mesma questão, o assassinato e a sua idealização. Logo no início do filme, um rapaz (Antônio de oliveira), que vive uma vida econômica mediana, está nitidamente cansado das discussões contínuas de seus pais e, portanto, resolve matá-los com uma navalha.  Ele resolve assistir “perdidos de amor” logo após cometer o ato, que fala de duas mulheres que tiram dias de descanso juntas num casarão isolado e terminam por se apaixonar.

           A narrativa, agora, concentra-se na figura das duas mulheres, praticando uma nítida metalinguagem (cria um filme dentro do próprio filme). Ainda ocorre uma nova metalinguagem quando as duas moças citam o nome do filme na própria película, quando observam as semelhanças delas e das “personagens”.

      Filmado em apenas 12 dias, Júlio Bressane era adepto ao “cinema imperfeito” e de baixa renda, muito popular na América latina no início da década de 60 e final de 70. Devido ao parecido cenário político e social dos países, no início dos anos 60, tornou-se popular uma forma diferente de fazer filme, se contrapondo aos cinemas industriais e colonizadores, precisamente dos Estados Unidos e Europa. O cinema imperfeito ressalta a realidade social vivida pela maioria dos países latino americanos, sendo exaltado, portanto, um nacionalismo, visto que as maiorias dos diretores não aperfeiçoavam a realidade, algo comum nos filmes de indústrias na época e, ao invés disso, reafirmavam seus subdesenvolvimentos. Os mais adeptos a esse estilo cinematográfico aderiam-se à esquerda política, que abasteciam seus filmes com muitas mensagens políticas, uma grande descolonização cinematográfica, promovendo, portanto, romper com todo o conservadorismo estético, valorizando ao máximo o cinema “cru” e a identidade de cada país, como reforça Mariana Martins Villaça (2008):

        a criação de um novo cinema latino-americano que fosse esteticamente original, consolidasse uma identidade própria no panorama internacional, e que tivesse como projeto subjacente a reflexão sobre os problemas peculiares à América Latina como o subdesenvolvimento, o abuso de poder, as grandes desigualdades sociais, o autoritarismo, a luta pela democracia e, tangenciando todas essas questões, o papel intelectual e o artista nesse contexto.  (Villaça, 2008)

 

    Vimos muito dessa desconstrução citada olhando a forma em que o filme é filmado, considerado um filme “sujo” por muitos, as filmagens quebravam com todas as convenções imagináveis que eram tidas como “corretas” para a época. A sonoridade direta, que muitas vezes ocorre de não conseguirmos ouvir com precisão o que é falado, o foco da câmera às vezes perdido, torna o filme de Bressane agressivo para a época.  O melodrama é visto no filme, muito comum nos filmes latino americanos na primeira metade do século XX, principalmente nas cenas em que ocorrem os assassinatos.  A técnica de deixar o filme ser conduzido naturalmente, com poucas intervenções, impulsionado e popularizado devido às semelhanças sociais e política dos países latinos americanos, tornou o movimento do cinema imperfeito, um dos marcos da história do cinema da América Latina, dando a ele um caráter de extrema peculiaridade internacionalmente. O próprio autor diz:

      Na verdade, quando você dirige um filme, você faz uma coisa que não sabe o que é. Se soubesse, talvez não o fizesse, porque perderia o prazer. Você faz se livrar algo que não sabe bem o que é. Você conduz o processo criativo só até um determinado ponto, a partir dali é ele que te conduz. Eu procuro interferir no mínimo possível nesse processo. (Júlio Bressane)

 

O final da película, recheada de melodrama, ao som de Roberto Carlos, retrata o final do filme “perdidos de amor”, em que as duas amigas atiram uma na outra, consequentemente morrendo. No final da cena, a música emperra numa parte de extrema importância para a cena, em que é falada repetidamente a frase “em te perder”.

"O cangaceiro", por Camila Pordeus


Ambientado numa época imprecisa da história quando ainda existiam cangaceiros, Lima Barreto conta a história do capitão Galdino Ferreira e seu bando, que após saquearem uma cidade, acabam sequestrando a professora Olívia. A moça chama a atenção de Teodoro, que também faz parte do bando, que decide ajudá-la a escapar.
 

A exaltação a terra é feita da cena inicial até os créditos finais. Porém, chega a ser tão exagerada em alguns momentos, que no final o filme parece mais uma colcha de retalhos de ícones nacionalistas escolhidos a dedo para agradar tanto a um público brasileiro em busca de entretenimento quanto para saciar a curiosidade de um público estrangeiro. O que acaba produzindo uma obra muito distante de uma representação mais contundente da realidade complexa do sertão brasileiro para se refugiar em uma produção romantizada. Uma busca por uma identidade nacional pautada em estéticas estrangeiras e mais preocupada com sua espetacularização acaba por converter sua própria cultura em produto.

 

Sendo uma mistura de western americano com alguns elementos do melodrama, a estética do Lima Barreto só “convence” como brasileira graças ao uso desses símbolos tão caricatos da nossa cultura, o que, ironicamente, é também o que afasta a produção de ser verdadeiramente nossa. Temas tão recorrentes da nossa sociedade foram abordados, porém de maneira superficial e um tanto dramática.

 

A religiosidade tão presente nos cangaceiros foi abordada, porém logo ironizada após Galdino roubar o cavalo de um padre. Se durante o saque a pequena cidade a personagem pareceu mais ambígua ao se preocupar com a senhora que teve sua cabra leiteira morta, e soltando pássaros presos em gaiolas, toda essa complexidade se perde no momento em que o confronto entre o capitão e Teodoro começa a aparecer de forma tão dicotômica. A sutileza desse grupo social, ora mocinho,ora bandido acaba se perdendo.

 

Claro que as condições de produção colaboraram para esse retrato mais comercial. Produzido pela companhia cinematográfica Vera Cruz, o filme realmente foi feito com o intuito de conquistar público estrangeiro, no que foi bem sucedido. A mistura do ambiente exótico da caatinga, as figuras quase místicas dos cangaceiros, e até mesmo a presença de um índio no que seria o sertão, prendem a atenção do espectador alheio à realidade brasileira. Esse apanhado de símbolos do imaginário popular comprometem a própria diegese do filme.

 

Mesmo sendo anterior ao cinema novo e a EZTÉTYKA DA FOME, é impossível não comparar essa obra a “Deus e o diabo na terra do sol” do Glauber Rocha. Lima Barreto parece se contentar em saciar a curiosidade do colonizador a que Glauber se refere no início do texto. Uma curiosidade pelo exótico mas que ainda mantém uma distância segura, pois o opressor nunca poderia realmente compreender o oprimido. O mais preocupante porém, é a preguiça de Barreto de tentar criar uma linguagem verdadeiramente nacional. Enquanto “O cangaceiro” aborda seus temas de forma extremamente romantizada, o segundo filme possui uma estética mais crua e revolucionária.

 

Como já dito anteriormente, vários elementos do melodrama estão presentes. O casal perseguido pelo vilão, a redenção do mocinho, a mocinha pura. Os diálogos cheios de drama e frases de efeito.

 Mesmo que o distanciamento da estória contribua para a criação de um mito, a distorção da realidade é muita para ser ignorada. Galdino, inspirado em Lampião, tinha potencial para ser um cangaceiro de verdade. Pena que terminou sendo apenas um vilão de novela.

Fando, Lis y Jodorowsky, por Bruno Ribeiro de Melo


 
 
Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação.” (André Breton)

 

“Quando chegares a Tar, compreenderás a vida e serás gato e fênix e cisne e elefante e criança e velho, e estarás sozinho e acompanhado e amarás e serás amado, e estarás aqui e lá e possuirás o selo dos selos e, à medida que o futuro chegar, sentirás o êxtase te possuir para não te deixar nunca mais.” (Trecho do Filme)

 

           

            O chileno Jodorowsky com certeza é o maior aprendiz dos surrealistas Luís Buñuel e Salvador Dalí. O diretor chileno sempre foi ligado a culturas exóticas: escritor, diretor, roteirista de quadrinhos, palhaço de circo, leitor de tarô, curandeiro. Morou um tempo em Santiago, depois se mudou para o México, mas só foi se encontrar em Paris, onde juntamente com o na época teatrólogo Fernando Arrabal fundou em 1963 o Grupo Pânico.

 

            O roteiro original do filme Fando y Lis foi baseado em uma peça de teatro de Fernando Arrabal. Nela, Fando, um garoto extremamente ligado à sua mãe, um verdadeiro Édipo, vê seu pai republicano ser preso e condenado à morte e posteriormente descobre que sua própria mãe denunciou seu progenitor. Após tal descoberta, ele começa a luta para se desvincular de suas origens.

 

            `Partindo de várias alterações propostas pelo trabalho conjunto de Arrabal e Jodorowsky, Fando y Lis nos propõe uma fábula sobre dois jovens em busca de uma cidade misteriosa denominada Tar, símbolo da felicidade, da vida, do amor. Operando por uma lógica distinta da convencionada pela linearidade do realismo. O filme parece seguir uma linguagem de sonho, de delírio, de mito e do poético. Se apresenta ele mesmo como um delírio metafórico, que parece especular sobre a condição mental de Fando e Lis.

 

            É para tanto, uma nova concepção de linguagem abarcada pelo movimentos surrealista. É uma concepção que aduz à propositura de uma nova linguagem libertadora dos padrões até então associados às classes burguesas e racionais. É a materialização em termos do que Breton viria a apontar como Automatismo Psíquico.

        

Automatismo psíquico puro por meio do qual propõe-se expressar, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo o controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral (BRETON, citado por Ponge, 1991)

 

            Dentro da relação das personagens, Lis é completamente dependente de Fando. O rapaz sempre a carrega, sempre a leva para todos os lugares. Os problemas de Lis não são as suas pernas paralisadas, mas um tipo generalizado de paralisia emocional, manifestada em sua postura passiva, submissa como uma das bonecas com as quais aparece brincando em algumas das cenas.

 

            O recorte dado a esta condição, me parece advir de uma das cenas retratadas onde Lis se lembra de um episódio em que sofreu abuso sexual cometido pelos atores de um teatro infantil. Um dos estupradores diz à pequena Lis que ela tinha “belas pernas”. O que em seguuida, parece ativar o funcionamento de um mecanismo de associação da situação de abuso às pernas, logo elas apareceriam inutilizadas em sua representação mental de si própria.

           

            Essa passividade só é quebrada numa das últimas cenas em que ela reage ao comportamento abusivo de Fando e quebra o tambor que ele carregava e desencadeia os eventos que levam à conclusão do filme.

 

            Todas as figuras que Fando e Lis encontram ao longo do caminho (sejam elas “reais” ou “imaginárias”) são perigosas, predatórias e querem algo deles, desde um médico que implora para poder tirar sangue de Lis e bebê-lo até as figuras religiosas que querem um pedaço dela em seu funeral. Fando e Lis estão absolutamente sozinhos, não têm ninguém com quem possam contar senão um com o outro.

 

            O arrastar das almas desses dois personagens, só parece ter fim com a conformação da morte, figura que é remetida em diversos momentos do filme em tom de libertação e de finitude. Fando encerra com a vida de Lis num desencadeamento, onde adiante, Jodorowsky, nos aremata numa belíssima cena última que se liga diretamente a um ponto inicial da temporalidade do filme. Fando acompanhado de um cachorro, vela Lis e por fim ceifa a sua própria vida.