sábado, 5 de dezembro de 2009

"E sua mãe também" por Camila Nascimento Martins


Um olhar maduro sobre jovens de idades diferentes. O filme de Alfonso Cuarón, “Y tu mama también” (2001) é um road movie que acompanha o amadurecimento dos personagens e do seu roteiro. A primeira vista parece uma trama adolescente sem maiores preocupações mas a medida que a viagem vai se tornando mais longa, os três personagens vão crescendo e o drama aflorando.

Julio e Tenoch são dois amigos adolescentes que convidam Luisa, uma jovem adulta, para uma viagem à praia. O tom da narrativa até certo ponto é de pura brincadeira juvenil. Eles conversam sobre sexo durante a viagem e vão ficando cada vez mais íntimos, amigos. A leveza destes momentos da estrada é quebrada, no entanto por um olhar para as margens das rodovias. Eles estão viajando por um México pobre e o filme registra o que está no acostamento daquelas vias. Pontuando os habitantes e os acontecimentos da beira da estrada, o filme parece querer metaforizar o que há de inato nos homens e nas relações humanas. Há uma intenção política neste registro, sem dúvida, mas há também uma metáfora para o que é inerente aos seres humanos de uma forma geral. Luisa precisa daqueles rapazes naquele momento da mesma forma que eles precisam dela; as pessoas se precisam, isto é o que há de estático (inerente, inato) nesta dinâmica que é a estrada da vida.

O envolvimento entre rapazes e a moça é inevitável. Ela está sofrendo pela traição da qual foi vítima e seduz um e depois o outro. Isto os deixa enciumados e capazes de se ferir mutuamente confessando que um já havia feito sexo com a namorada do outro. Estabelece-se o conflito e Luisa ameaça deixá-los. Ela desencadeia e resolve a situação.

Neste ponto o drama está mais maduro. Regado a muito álcool o envolvimento dos três personagens chega ao clímax. Eles fazem sexo a três. Uma experiência decisiva na vida dos dois adolescentes. Eles não estavam preparados para tamanha entrega. Luisa apesar de mais velha parece carregar a inconseqüência da juventude, e uma falta de limites entre a liberdade e a libertinagem está estranhamente presente nela. Isto nos é justificado somente no final quando sabemos que ela estava doente e sabia que ia morrer.

Aos rapazes, sobrou-lhes a lembrança de uma experiência vivida e o final de uma amizade. O filme começa alegre e jovem e termina com o pesar da maturidade. Assim mesmo como a vida.

"A menina santa" por Wilson Rocha


Quais os efeitos que uma sociedade repressora exerce sobre seus indivíduos ? Sejam por critérios religiosos, familiares, profissionais a sujeição a regras estabelecidas aprisiona o homem dentro de um dilema do que pode ser certo ou errado, isolando-o. Em “A Menina Santa” de Lucrecia Martel todos os três papéis principais direcionam-se a debater estes tipos de conflito.

Centrada na figura de Amália, a Santa a que se refere o título, a obra da diretora argentina navega por diversas situações sem proferir uma sentença favorável a um comportamento bastando-se apenas em desenvolver as questões de forma imparcial e livre de méritos pré-definidos. A conclusão é particular, e sendo assim, relativa.

Amália é uma jovem adolescente, filha de pais separados e onde as primeiras impressões sobre sexo e afetividade são confusas. As aulas de religião apenas fomentam essa dicotomia entre o que parecer ser sagrado e o pecado tentador. Os comentários maliciosos feitos por sua melhor amiga, a prima Josefina, muito mais experiente no que tange as tentações do sexo, apenas sublinham sentidos hipocritamente velados entre o que se diz e o que se quer. Josefina é o arauto do filme, que retira as pressões dos dogmas e traz a noção de realidade menos utópica que a educação tenta instituir sem se preocupar com as consequências.

O turbilhão de sensações invade o emocional de Amália quando o médico hospedado no hotel de sua mãe, Dr. Jano, tira uma ‘casquinha’ com a adolescente numa cena que os dois estão em um aglomerado na rua. A atração que Amália sente pelo Dr. Jano é irresistível e o médico passa a ser vigiado pela menina, que o torna ícone dessa sua fase de descobertas. Ícone este que também vive seu momento de ceder aos chamados pecaminosos e permeia um caminho que pode comprometer a sua reputação valorada de homem casado e de posição profissional respeitada.

Neste jogo de sentimentos contidos Helena, mãe de Amália, perfaz esse círculo e tenta restabelecer sua vida após a separação do marido e de saber que o mesmo espera filhos gêmeos de sua nova esposa. Vinculada aos mesmos ditames morais do ambiente que lhe cerca ela não se contém em se insinuar para o médico que já despertara em sua filha sentimentos adormecidos.

A câmera de Martel conduz o expectador, através das sutilezas das expressões faciais dos atores, aos seus mundos particulares, às suas almas. Amália é uma das figuras que tem menos falas no filme, contudo é a que mais se comunica e se deixa transparecer pelo seu semblante. Nessas cenas em que imagem dispensa um diálogo a lascívia, o medo e a insegurança não se ressentem de qualquer outra fórmula para indicar o estado interior dos integrantes do filme. Um olhar mais demorado e hesitante, um sorriso temeroso, um toque despretensioso tem uma carga erótica muito mais forte do que uma cena explícita de desejo. E é disso que se vale o filme de Lucrécia Martel: sensibilidade na captação, exposição e na forma como ela conduz o olhar para a leitura das imagens.

“A Menina Santa” radiografa tudo o que é incontido e o que aflora sem refutá-los ou questioná-los de forma a entendê-los como fazendo parte da natureza humana. Eximir-se dos mesmos pode parecer o mais sensato e menos ingênuo do que sucumbir, porém não mais humano. Essa carga particular do exercício secreto de uma intimidade guardada às sete chaves atrela a si um sentimento de solidão que acompanha e une os personagens na incerteza de seus futuros.

"SOY O NO SOY CUBA?- Resenha do Filme Soy Cuba, de Mikhail Kalatozov [URSS / CUB, 1964]" por Gabriel Muniz de Souza Queiroz


Cuba, 1964. Com apenas uma semana em cartaz desde seu lançamento uma grande epopéia cinematográfica sobre a revolução daquele país é arquivada. Após 30 malogrados anos de esquecimento esta parceria entre Cuba e a antiga União Soviética foi redescoberta e restaurada pelos cineastas Martin Scorsese e Francis Ford Coppola. Estou falando de Soy Cuba, a lendária superprodução regida pelo fotógrafo e diretor russo Mikhail Kalatozov. Que motivos levariam a esse engavetamento repentino, visto que atualmente o filme é considerado uma obra prima do cinema mundial e seu ressurgimento é tratado como um achado arqueológico?

Durante dois anos uma equipe mista de soviéticos e cubanos trabalhou na elaboração desse filme, um extraordinário poema visual de exaltação à então recente Revolução Cubana. Buscando retratar o período que antecedeu a queda do ditador Fulgencio Batista, a obra é claramente dividida em episódios que representam os momentos de dominação americana nos contextos urbano e rural e a resistência do povo cubano no apoio à militância estudantil e à guerrilha na Sierra Maestra. São capítulos intercalados pela narração em off da própria nação cubana, uma voz feminina que recita poeticamente sua situação social e política. A obra segue a forma de construção eisensteiniana, com partes, que funcionariam de maneira individualizada apresentando os diversos momentos da revolução, porém com o sentido definitivo fechado da maneira que é disposta na composição total.

As elites culturais dos dois países recusaram a proposta. O lado cubano não se sentiu representado no filme. De fato há uma excessiva estetização, principalmente visual, da história, dos tipos humanos, sociais e indumentárias. O olhar estrangeiro predominou na representação do povo e na dramaticidade exagerada de algumas seqüências. Embora todo virtuosismo da equipe técnica, principalmente da impecável, acrobática e belíssima fotografia [lente grande angular / filme infravermelho], torne a obra um primor de qualidade estética, toda essa beleza desagradou justamente por não ser Cuba. Já o lado soviético, acredito que com todo esse foco na construção formal e dramática, recusou o filme por achá-lo pouco revolucionário. Seus elementos narrativos são trabalhados de maneira intensamente poética, porém enfatizando uma postura mais defensiva das massas, e freqüentes situações de opressão e humilhação da parte do ocupante americano.

Conceitualmente Soy Cuba é um grande filme e sua força está concentrada mesmo na forma: além da já citada fotografia, aliada à grandiloqüência dos seus planos-seqüência estão os competentes recursos de sonorização e montagem, que criaram diversas e criativas soluções narrativas para exaltar ainda mais a estética do filme. No entanto, toda essa habilidade técnica dos soviéticos pareceu não ser suficiente para um registro fidedigno da realidade cubana, talvez por uma falta de aprofundamento nos estudo da cultura do país. As pessoas pareceram um tanto artificiais, a imagem dos heróis cubanos é apenas sugerida, o nome do filme se mostrou pretensioso... e a voz em off soou mais como uma senhora de sotaque eslavo ao dizer: “Sou Cuba”. Mesmo sem ser.

"Whisky" por Cleiton Costa


Nos últimos dez anos, a America latina chamou a atenção do mundo para o seu cinema. Entre diversas produções de vários países, alguns filmes se destacaram por encarar um tema ainda pouco explorado pelo cinema ocidental (e improvável em Hollywood): o cotidiano comum. A argentina Lucrecia Martel encabeçou tal iniciativa com Pântano (La Ciénaga) e nos seus filmes seguintes, explorando o cotidiano ao extremo, onde tudo indica algo, mas nada acontece no sufoco da rotina. As Luvas Mágicas (Argentina, 2003) do diretor Martín Rejtman leva de uma forma mais descontraída essa abordagem da rotina entediante dos seus personagens. Mas, o melhor exemplo (a meu ver) da perfeita construção do tédio do cotidiano é Whisky (Uruguai, 2003) dos diretores Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll. Filme que alcança o equilíbrio entre o fascinante e o maçante (o desequilíbrio é um perigo constante de filmes com essa proposta).

Whisky nos apresenta Jacobo Köller, um senhor judeu que está indo pros 60 anos, dono da mini-fábrica de meias Köller. Marta é sua funcionária antiga, que já beira os 50, e que cuida do fabrica junto com ele, além de fiscalizar as outras duas funcionarias. Jacobo é carrancudo, ranzinza, o típico judeu “econômico”, frio, mas educado. Marta é a uma mulher introspectiva, passiva, obediente. E o mundo dos dois é: chegar ao amanhecer no trabalho, sair à noite. Um mundo acostumado à repetição, às maquinas, à incomunicabilidade. Mas a relação dos dois é quase conjugal. O conjugal que virou rotina. Talvez nada mudasse esse modo de levar a vida, a não ser o elemento estranho ao meio: o irmão de Jacobo, Herman, que mora no Brasil e vem para as cerimônias de passagem do aniversário da morte da mãe judia. Herman, o oposto, moderno, simpático, extrovertido, inquieto. É o bastante para abalar a vida dos dois seres inertes.

Whisky toma como ponto de partida esses personagens e seus universos, mostrando um delicado cuidado na construção deles, e do modo minimalista de com eles se relacionam. Personagens que têm tantos detalhes que preencheriam páginas. Um desses mundos próprios é o que está entre os dois irmãos: a rivalidade de Jacobo para com Herman, tudo transmitido sutilmente através de pequenos gestos de antipatia, onde Jacobo faz de tudo para não ficar por baixo do irmão. Personagens que praticamente personificam a situação social do Uruguai (como o arcaico Jacobo) e do seu vizinho Brasil (como o moderno e desenvolvido Herman).

Apesar da força dos personagens dos irmãos serem sempre colocados em foco e darem mote a história, Marta consegue, com o decorrer da narrativa, atrair a filme para o seu mundo. Um mundo particular e fascinante. Uma mulher fechada que esconde a grande pessoa que é, e que só precisa de uma mão para se soltar: Herman, ele é que vai incentivar esse desabrochar, criando momentos em que ela aprenderá a se divertir e a sorrir de verdade (e não forçar, como ela costumava fazer), relembrando até seus tempos de garota, como na brincadeira de inverter as palavras. Todo o sentimento disfarçado dela por Jacobo, indo gradativamente se revelando aos poucos (mas até no máximo da revelação, ainda assim, sutil), e mesmo diante das claras/sutis declarações de afeto, a indiferença de Jacobo. Situação essa que provoca a grande transformação do filme: a Marta que vai ficando cada vez mais independente desses sentimentos, em uma crescente auto-valoração, até ao momento de libertação total, na cena em que ela fuma na frente dele.

E a grande ironia de Whisky é que o título, que remete à bebida alcoólica, não tem esse sentido no filme, porque, no Uruguai, essa é a palavra usada na hora de tirar uma foto. Momento que acontece duas vezes: com Jacobo e Marta, e entre os três. Momento que em que eles fingem estarem felizes e unidos. Mas logo depois, cada um segue seu caminho.

"As luvas mágicas" por Juliana Ribeiro


O porquê do título desse filme de Martin Rejtman se perde devido à quantidade de coisas extremamente absurdas que se passam num curto espaço de tempo. Vários relacionamentos se constroem e se rompem, e ao mesmo tempo pouco sentimos suas repercussões, pouco o tempo é dentre um fato novo e outro.

Alejandro é um taxista, tem amigos não tão convencionais, que gostam de música menos convencional ainda, e tentam a todo custo deixá-lo surdo, mas nem todos entendem essa surdez. Ele resolve vender seu carro para investir no negócio de luvas mágicas, que acredite ou não, realmente existe (nunca tinha ouvido falar), coisa de argentino. Bem, as situações mais cotidianas são retratadas de maneira tão peculiar e histérica, que fica difícil de acreditar que esse tipo de negócio realmente exista.

O novo cinema Argentino é bem recebido no cenário mundial principalmente pela forma como representa o cotidiano de maneira cômica, estranha, comum no aspecto da circularidade da vida de todo dia como em Whisky. A empatia que temos com os personagens de As Luvas Mágicas é criada pela forma como dançam, pelos diálogos entrelaçados, que começam numa cena e são reiterados em outra totalmente diferente, e no meu caso, pela hipocondria. A presença dos calmantes é posta de forma teatralmente hilária, só fico decepcionada pela dosagem ter diminuído com o tempo (quem começa com Valium e termina com Rivotril?), deve ter sido essa a intenção.

O filme é curto e quando termina passa a sensação que é cada vez mais comum no cinema Argentino de que o final ainda estaria por vir. O que é perfeitamente aceitável subentendendo-se que a vida dos personagens ainda continua, e que não é necessário um final real para cada passagem dessas vidas. É um tipo de abordagem que pode facilmente destruir o filme para o público, mas não é o caso de As Luvas Mágicas. O filme é tão prazeroso, que apesar do final súbito, passa a sensação de ter sido bem resolvido quanto à proposta.

"As luvas mágicas" por Paula Riff


Assim como outros filmes do cinema latino americano, “As Luvas Mágicas” também tem como tema central o cotidiano das pessoas. O que o diferencia dos demais filmes é a fuga nonsense que os personagens se utilizam para escapar do monótono e do previsível. Sendo assim, ao invés de utilizar-se de um enredo monótono e lento, de personagens densos e do anticlímax, esse filme opta por uma abordagem cômica e absurda, exatamente para servir de contraste a esse cotidiano simples e “normal” que estamos acostumados a ver. É através das relações esdrúxulas entre os seis personagens principais que a história se desenvolve e constrói situações tão ridículas que extrapolam o habitual e compõem cenas quase surreais.

Alejandro é um homem de meia idade que não tem família construída e que permanece em um subemprego. A sua rotina está aparentemente normal até que sua noiva, Valeria, resolve romper o relacionamento sem muitos motivos e concomitantemente surge uma relação repentina entre ele e Sérgio que, de apenas mais um dos seus vários clientes, se transforma em seu amigo, sócio e conselheiro amoroso.

Ao longo do filme notamos que o único personagem completamente acomodado e aparentemente satisfeito com sua rotina é Alejandro. Sendo assim, de todas as mudanças que acontecem a ele, nenhuma delas, tem iniciativa sua. Ele é, a todo o momento, forçado ou influenciado pelos outros personagens a mudar e consequentemente a fugir do que lhe é habitual. Desta forma, tanto o fim como o início dos seus dois relacionamentos não dependeram de uma ação sua, assim como a idéia de investir em um negocio e prosperar economicamente na foi sugerida por ele. Alejandro parece ser incapaz de agir sozinho, talvez por estar genuinamente feliz com seu cotidiano ou apenas por não ter nenhuma ambição, a realidade é que Alejandro é um personagem completamente dependente, e se a história fosse apenas sobre ele, o filme não teria ação alguma. Talvez seja por isso que o filme seja tão repleto de personagens e todos parecem ter relevância até maior do que Alejandro de quem, aparentemente, é o papel principal.

Cada personagem tem uma loucura a parte que expõe um pouco da urgência interior que todos tem em negar e fugir da mesmice do dia-a-dia. A mania de Sérgio em gravar músicas de heavy metal, o vício que Valeria adquire pela mistura de remédios e uísque e a obsessão de Susana em se intrometer na vida dos outros por não ter nada de excitante na sua própria vida são exemplos que ajudam o filme ao dar esse formato grotesco e completamente diverso dos demais.

O final é feliz para quase todos os personagens com exceção de Alejandro. Embora tenha, assim como todos os outros personagens, conseguido mudar sua vida, Alejandro não está satisfeito, quer voltar a sua normalidade, a ter o seu carro velho. Resta saber se ele vai tentar voltar ao seu status quo ou vai se conformar novamente e esperar que os outros tomem atitudes por ele.

“As Luvas Mágicas” é um filme que cumpre o que seu enredo propõe. Vai além dos filmes habituais e quebra com um tipo de cinema latino americano que já estava começando a virar rotina. Afinal, tudo que é demasiadamente repetido cansa, até mesmo o cinema.

"Pipoca para Pensar" por Nilson Braga de Almeida


O entretenimento no cinema é visto como algo sem valor para alguns especialistas. Talvez, apenas eles conheçam os reais motivos para isso. Porém, não precisa ser expert no assunto para identificar características que ajudem a confirmar tal afirmação. Olhando, por exemplo, para as diversas comédias românticas (O Amor Não Tira Férias, Se Eu Fosse Você 2) e filmes adolescentes (as intermináveis sequências de American Pie) que todo ano são lançados, dá pra facilmente perceber indícios do porquê da existência dessa linha de pensamento.

Piadas sem nenhuma graça e, por vezes, grosseiras. Situações forçadas que beiram o ridículo. Total previsibilidade. Estes são apenas alguns dos muitos erros que acometem a grande maioria desses filmes. Feitos exclusivamente para obterem êxito financeiro, usam fórmulas já conhecidas, sem nenhuma inovação.

Mas, ainda bem que algumas películas quebram essa regra e conseguem divertir com qualidade, contrariando a visão generalista dos já citados entendidos da matéria. No cenário latino-americano, que não é tão diferente no sentido comercial da coisa, obras como Lisbela e o Prisioneiro e O Filho da Noiva mostram que o sucesso econômico não é sinônimo de pobreza artística.

Neste último vemos, de um lado, um típico melodrama: a mãe de Rafael tem Mal de Alzheimer e o seu pai pede ajuda para realizar um antigo sonho. Do outro, um romance: a namorada dele se sente só, insatisfeita com a falta de presença do companheiro. Nesse meio, ainda há um relacionamento distante com a filha pequena e a chegada de um antigo amigo, pra lá de abusado. De quebra: situações cômicas a todo instante.

Só de pensar nesta mistura de gêneros, dá pra imaginar que não é nada fácil fazer a composição destas cenas e encaixá-las numa relação de coerência que agregue, ao mesmo tempo, dinamismo e simplicidade. Além de conseguir isso, a produção argentina faz com que o espectador e o protagonista se dividam entre a paixão, o compromisso, a família, a responsabilidade, tudo mostrado numa rápida passagem de tempo onde quase nada do que realmente importa na vida é aproveitado, como ocorre no mundo contemporâneo.

É isso o que permeia o homem moderno: o corre-corre comum dos dias agitados, numa constante aceleração, onde não se pode parar, nem pra pensar, nem pra perceber que ao redor existem coisas de grande valor, pessoas e momentos que não voltam jamais. Pena que só mais tarde vem o desapego ao que não interessa. Pena que depois já não dê mais pra fazer muita coisa.

Com certeza, a originalidade não é o trunfo desta obra de Juan José Campanella. Embora repleto de ingredientes exaustivamente testados, o filme serve para provar que o cinema pode, mesmo utilizando os mesmos temas, os mesmos enredos, se tornar interessante quando se usa a criatividade, encontrando soluções inesperadas para situações banais e explorando sabiamente os momentos-chave da trama. Ao assisti-lo, o público sai da sala de projeção com um gostinho de satisfação, com uma sensação de que o cinema pode fazer rir e chorar, além de pensar.

"Navegar impreciso- resenha sobre 'O canto do mar'" por Gabriel Muniz de Souza Queiroz


Navegar é preciso, viver não é preciso... A beleza das ondas e o horizonte indefinido do mar sugerem caminhos turvos, trajetos e possibilidades nos quais uma pessoa pode projetar suas esperanças, seus sonhos, seus ideais. Talvez por uma imprecisão do destino em terra, muitos indivíduos enxergam na serenidade das águas a solução para seus problemas e a satisfação de suas necessidades. A incerteza deste caminho parece ser algo mais concreto, mais sólido que a rigidez da vida em terra firme. As palavras do poeta se aplicam muito bem à abordagem de o Canto do Mar [Brasil, 1953], filme de Alberto Cavalcanti em sua fase brasileira.

Gravado no Recife, a obra fala da miséria e da falta de perspectivas de vida do homem nordestino. Um grupo de retirantes do sertão passa uma etapa no litoral pernambucano enquanto espera pela partida rumo ao sul do país, em um navio. É durante esta fase de transição que nos é apresentada a família de Raimundo, residente na capital. Após um acidente seu pai torna-se inválido por deficiência mental. Maria, a mãe, toma a liderança da família, cabendo ao filho parte da responsabilidade pela subsistência de seus parentes. Além dos citados, a irmã mais velha Nina e o irmão pequeno, Silvino. Assim, Raimundo e as pessoas de seu convívio sofrem com a falta de perspectivas do meio em que vivem.

Cada um lida à sua maneira com a dura realidade: A mãe é bastante severa, trabalha como lavadeira e procura manter a unidade da família, no entanto seus esforços são em vão; Nina, desiludida, encontra no meretrício uma alternativa ao destino que lhe espera; E Raimundo, ainda esperançoso, encontra no mar a saída para seus problemas. Planeja fugir com a namorada para o sul, esforçando-se para conseguir o dinheiro para as passagens de navio para a cidade de Santos. Porém, como fala uma garota ingênua – interessante personagem secundária – o destino engana. E é com essa situação que o jovem aos poucos se depara.

O Canto do Mar é um remake do filme En Rade, do próprio Cavalcanti, produção francesa de 1926. Nascido em uma família de militares positivistas, não encontrava aceitação em casa, devido à sua homossexualidade. Estudou na Europa, onde fez carreira no cinema, tendo lugar de destaque nas vanguardas francesas e na escola documental inglesa. Após trinta anos fora do país, é convidado para o cargo de direção de arte na Vera Cruz, a grande tentativa de estabelecer uma indústria cinematográfica nacional. Junto com sua bagagem internacional, Cavalcanti traz uma série de profissionais estrangeiros para dar conta dos filmes, além de capacitar brasileiros para os cargos técnicos.

Como se sabe, a Vera Cruz foi um fiasco. Além do preconceito que sofreu por sua orientação sexual, o cineasta sofreu vários ataques tanto dos intelectuais conservadores quanto dos mais progressistas. Assistindo O Canto do Mar, pode se imaginar algumas das razões: O filme mistura elementos do então recente neo-realismo com aspectos mais tradicionais, principalmente na forma. É um filme de transição, precursor da temática nordestina tão abordada na década seguinte, com o cinema novo. Causou polêmica também ao expor para o mundo a miséria do contexto nordestino, além de elementos da cultura popular, o que deve ter incomodado bastante as elites culturais. Mesmo assim o filme é bastante equilibrado, tem um bom roteiro e qualidade na abordagem e na técnica. Mas a excessiva estilização fugiu um pouco do contexto nacional. O sotaque brasileiro parece forçado...

Assim como os personagens de seu filme, o cineasta se deparou com uma realidade que lhe foi hostil. Mesmo com o prestígio internacional, Cavalcanti não conseguiu se adaptar ao seu local de origem. Era um estranho no ninho, um estrangeiro no próprio país. Profundamente amargurado, o brasileiro partiu de volta para a Europa, onde também se sentia deslocado entre três países, França, Inglaterra, Brasil. A imprecisão do destino forçou-o a procurar por outras identidades, nacionalidades, navegar por outros horizontes.

“Whisky” por Rafaella Cavalcanti


Solidão, monotonia do cotidiano, inércia dos personagens, mecanização do ser humano. O tempo circular. Tudo isso perdura no premiado “Whisky” (2004) de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll.

A história é simples. Jacobo (Andres Pazos) é um homem de seus 60 anos que reside em Montevidéu, Uruguai. Vive sozinho e trabalha todos os dias em sua pequena fábrica de meias. Marta (Mirella Pascual, em brilhante atuação), 48 anos, é supervisora da fábrica e todos os dias espera na porta, exatamente no mesmo lugar, para Jacobo abri-las. A mesma rotina. Ligar as máquinas, preparar o chá, ajeitar as persianas. Tudo isso bem frisado por cenas demoradas e planos algumas vezes repetidos. Quando chega Herman (Jorge Bolani), o irmão de Jacobo que está há mais de 20 anos morando em Porto Alegre com a família. Ele também possui uma fábrica de meias, mas aparentemente os negócios vão bem melhor que os do irmão. Ele vem para a matzeiva da mãe, que os judeus fazem para a colocação da pedra do túmulo. Jacobo, por vergonha ou mesmo por algum instinto competitivo entre irmãos, pede que Marta se passe por sua esposa enquanto Herman se hospeda em sua casa.

É nesse fiapo de narrativa que “Whisky” se firma, marcado acima de tudo pela delicadeza, somado ainda à um humor peculiar. Aquela inércia dos personagens reflete-se nos cenários, nos carros velhos, nas poucas pessoas da cidade. Tudo lembra um Uruguai que já viveu melhores dias.

Os pequenos detalhes que vão sendo descobertos sobre cada personagem, tanto o espectador como eles mesmos, tornam-se mais próximos, gerando uma nova percepção sobre quem são aquelas pessoas, mas principalmente o que as fazem estar ali envolvidas naquela prisão de rotina que acabam por acomodarem-se.

Se a promessa da poética do cotidiano ordinário no cinema latino-americano de fato é uma promessa, o filme está em suas melhores definições. É um melodrama discreto, mas tão capaz que tentar inserir elementos que o deixasse “convencional” talvez simplesmente não funcionasse tão bem.

O final que surpreende mesmo sem grandes reviravoltas, é a prova de que fazer o simples ser tão bom pode ser mais difícil do que parece.