terça-feira, 7 de dezembro de 2010

"Y tu mamá también", por Ana Lúcia Diniz




O enredo da história é centrado em dois melhores amigos: Julio (Gael Garcia Bernal) e Tenoch (Diego Luna). Sua respectivas namoradas viajaram para a Itália em intercâmbio e os adolescentes, sentindo, talvez, a ausência delas, buscam diversão para suprir o tédio das férias. É óbvio que, para jovens de dezessete anos, esta diversão está ligada diretamente a excessos (de drogas e álcool) e ao sexo. Eles acabam conhecendo Luisa (Maribel Verdú), mulher de vinte e oito anos, casada com um primo de Tenoch. Os três embarcam em uma viagem cheia de descobertas para a até então inexistente “Praia del Cielo”.

Através desta sinopse, o filme poderia ser facilmente um daqueles norte-americanos produzidos e voltados apenas para um público específico de jovens; “Y tu mamá también” (2001) , do diretor mexicano Alfonso Cuarón, no entanto, não funciona deste modo. A maneira sutil que esta história se constrói e é filmada faz toda a diferença.

O primeiro ponto a destacar e que realmente “salta aos olhos” durante todo o filme são as atuações: Gael, Diego e Maribel estão tão entrosados que os diálogos fluem, dando a sensação de que realmente são três amigos contando suas experiências e sendo filmados. A cena onde esta afinidade se torna mais evidente na tela é quando os três, perto do fim do filme, dançam juntos. A empatia entre os atores ajuda a intensificar a afinidade adquirida pelos personagens ao longo da viagem.

O mérito do filme, entretanto, não se resume a atuações. A história é toda permeada por detalhes que vão desde um México que passa pela janela do carro até interrupções irônicas e interessantes de um narrador onisciente que vez ou outra se insere no filme. A utilização da voz em off nos filmes é, de fato, criticada por muitos, pois banalizou-se dizer que ela serve apenas para explicar fatos que o filme não conseguiu esclarecer através das imagens. Não é o caso de “Y tu mamá también”, o narrador não entrega informações de bandeja para o espectador, pelo contrário, através de comentários aparentemente banais, ajuda a compreender detalhes sobre o relacionamento daqueles personagens e sobre o contexto social e cultural que estão inseridos.

O tempo todo o confronto entre individual e coletivo é colocado à prova. Um coletivo em certos pontos específico de uma sociedade mexicana, mas em outros universal principalmente na maneira que os jovens reagem a ele. Pode-se dizer que o México é, de certo modo, um personagem da trama, só que um personagem coadjuvante, que afeta e catalisa as ações dos personagens principais sem ocupar o lugar deles.

O filme fala de sexualidade, de sociedade, das descobertas da juventude, das grandes amizades e da efemeridade das relações. Essa sensação do efêmero perpassa todo o filme, desde a relação intensa mas ao mesmo tempo tão frágil dos dois amigos até as cruzes que aparecem ao longo da estrada. É como se tudo ali pudesse (e realmente fosse) acabar a qualquer momento.

"Machuca" de Andrés Wood (2004), por Bruna Belo




1973, Santiago, no Chile. Em meio a disputas políticas e passeatas de comunistas e direitistas, num momento em que as classes sociais menos favorecidas estão politicamente mobilizadas, exigindo os seus direitos e uma mudança essencial na sociedade em que viviam, e as classes mais ricas temem cada vez mais o crescente movimento socialista e conspiram contra o então presidente eleito, Salvador Allende, surge uma inesperada amizade entre duas crianças: Pedro Machuca (Ariel Materluna), pobre e de ascendência indígena, e Gonzalo Infante (Matias Quer), garoto branco, bem vestido, de classe média alta.

Pedro vai parar na mesma sala de Gonzalo, devido a um projeto de integração criado pelo diretor da escola inglesa Saint Patrick, Padre McEnroe (Ernesto Malbran), que abriu as portas desta para diversos estudantes de comunidades carentes próximas à instituição. Este foi o ponto de partida para uma amizade cheia de surpresas e descobertas.

A relação entre esses dois meninos, na verdade, serve para retratar o que ocorria no Chile naquele período, já que quando se tornam amigos, um passa a conhecer e freqüentar o ambiente do outro. Machuca conhece o conforto em que a sociedade burguesa vivia: as festas, roupas, comidas, etc. Mas, apesar da comodidade, quem realmente fica impressionado com as novas descobertas é Gonzalo, que percebe a esperança e desfruta da receptividade daquele povo que vivia na periferia pobre de Santiago, em casas sem eletricidade e saneamento básico.

Ele passa a freqüentar bastante aquele ambiente, e acaba indo às ruas ajudar Machuca e Silvana (Mariana Martelli) a vender bandeirinhas nas constantes passeatas que havia no país. Dessa convivência surge uma forte amizade e um triângulo amoroso juvenil. Essa relação é muito importante na história dos personagens, pois além de representar o inicio da adolescência e as descobertas amorosas, começam a se perceber como membros de uma nação cheia de dilemas, e tomar conhecimento das possibilidades e alternativas que a sociedade lhes reserva.

Quando as lutas políticas se tornam mais acirradas, podemos observar especialmente no encontro de pais na escola, que as diferenças sociais e econômicas são vistas como um abismo aparentemente insuperável de ressentimentos de classe. Em uma escala maior, a guerra civil está se formando, mas é impedida pelo assassinato de Salvador Allende e o golpe militar brutal, que botou Pinochet no poder, dando início a uma ditadura que durou dezessete anos, o periodo mais autoritário e violento da historia chilena.

Quando perguntado por que o nome do filme é Machuca e não Gonzalo, o diretor, Andrés Wood responde: “porque o mundo se abre para o personagem principal, é o que ele vê. O filme é narrado do ponto de vista de Gonzalo Infante, e o que ele vê o transforma e machuca. Durante todo o filme, Gonzalo apenas observa com atenção o que ocorre ao seu redor, já que a ele não foi dado muito o que dizer. A câmera mostra os eventos na perspectiva do garoto e coloca o espectador no lugar deste, o qual começar a sentir a sua alienação e crescente dor e vai aprendendo junto com o menino. É, acima de tudo, uma história sobre o amadurecimento.

"Maria Candelária", por Caio Cagliani




Um dos mais famosos melodramas mexicanos, o filme de Emílio ‘Indio’ Fernandez, conta a história de uma índia, a personagem título, que foi expulsa de sua cidade por conta do passado de sua mãe. A índia sonha em casar com seu noivo, e para isso tentam juntar dinheiro apesar de todas as adversidades que o isolamento dela causa ao casal. Todo o filme é narrado por um pintor que é questionado por uma jornalista a respeito da história triste por trás de um quadro que retrata uma bela índia nua que, segundo o artista, esconde um terrível conto.

Maria Candelária, um dos pontos altos de um conjunto de filmes produzidos pelo México em sua fase áurea da produção cinematográfica, é um dos mais exemplares títulos de uma indústria que durante quase 30 anos competiu lado a lado com Hollywood e o cinema europeu – sendo influente para títulos vindouros destas ‘escolas’. Tinha seu próprio star system, fazendo parte deles os protagonistas Dolores del Río e Pedro Armendáriz, dois dos mais representativos desta época.

Os personagens, como costumam ser caracterizados nos melodramas, são marcados por um excesso nas suas ações. Uma personagem do bem fará sempre coisas boas, não se irritará, não reclamará da sua condição, dando a ela uma aparência plana e causando por vezes que nós espectadores julguemo-na estúpida. Basta que um dos personagens do filme fique em cena por poucos segundos que já saberemos seu caráter, se tem intenções maléficas – e são exemplos desses o dono de um mercado e uma indígena, ambos agindo de acordo com uma paixão não correspondida por algum dos membros do casal. Do lado oposto do ringue, encontram-se o casal de protagonistas Maria Candelária e Lorenzo Rafael, o pintor e o padre.

A presença do padre, inclusive, demonstra que Indio faz um filme com temáticas bem aprofundadas. É notória a relação de Maria Candelária com a Virgem de Guadalupe, e a própria personagem pode ser considerada uma emulação de Maria Madalena. São fortes os ícones religiosos no filme, e o pároco encontra-se lá para resolver várias desavenças, como se a intenção do diretor fosse dizer que a salvação seria por esse caminho. Os exemplos cristãos, entretanto, parecem ser ignorados pela população, que vilaniza a mãe de Maria a tal ponto de banir a filha, que nada de errado fez.

O povoado, no filme, assume a condição de manada. Não são uma massa pensante, mas um reflexo de alguma atitude isolada, ecoada a tal ponto de ser potencializada por todos os outros da cidade – como uma vaia numa plateia, que pode contagiar a audiência toda. Geralmente, o estopim parte da vilã indígena, que grita algo em desaforo, a ponto de insuflar toda a pequena população da vila da qual a heroína foi expulsa. Querem matá-la, não parecendo capazes de refletir sobre a barbárie de seus atos, cabendo ao padre intervir várias vezes.

Temos ainda a presença da malária no filme, que assim que é citada em cena já nos permite desenhar o que irá acontecer – a título de curiosidade, o vilão é o encarregado de distribuir o remédio do governo, que combate a doença, para os cidadãos da vila. O painel está pintado, e basta um passeio romântico no rio para que um dos infortúnios do casal aconteça. Neste momento, podemos ver pelo desespero de Lorenzo Rafael a divisão entre a medicina moderna dos alopatas e a tradicional dos curandeiros, ambos detestando sua contraparte, mas forçados a trabalhar juntos, pois o nobre rapaz não quer questionar em que parte da História está posicionado, e sim curar sua amada.

De antemão aviso que para os que não gostam de melodramas se prepararem para a experiência do filme, que pode ser fustigante e visceral, sem grandes, ou nenhuma, virada no plot. O que está ali e o que irá acontecer pode ser facilmente intuído por qualquer um que o assista, criando uma espécie de monotonia narrativa. Nada que faça por desmerecer a fama que a película tem, muito pelo contrário, este fato só ressalta que os objetivos de Emilio foram alcançados: entre as poucas sutilezas presentes na trama e seus vários excessos, Indio constrói uma história que ainda hoje é contemporânea – Maria Candelária reflete as novelas mexicanas dubladas e não deve nada aos dramas globais, que também não podem ser citados como exemplos de complexidade narrativa.