domingo, 30 de outubro de 2011

"Três vezes Jabor', por Túlio Ricardo de Lima Rodrigues




A classe média em diferentes momentos, discutindo seus problemas individuais que ganham uma atmosfera universal em um único espaço: o apartamento. É assim que o cineasta Arnaldo Jabor monta a base para a sua chamada Trilogia do Apartamento composta pelos filmes Tudo bem, Eu te amo e Eu sei que vou te amar, obras em que a classe média será representada, cutucada, desmascarada e refletida.

Em 1978, Arnaldo Jabor lança o filme Tudo bem. Encabeçado por Paulo Gracindo e Fernanda Montenegro no elenco, o filme abre a discussão para a estrutura das classes sociais no Brasil. No apartamento de Juarez (Gracindo) e Elvira (Montenegro) operários estão fazendo uma reforma esperada por 26 anos. Nesse cenário de desorganização, confinamento e bagunça a trama se desenvolve relacionando os moradores da casa, as domésticas que lá trabalham e os trabalhadores da reforma num tom de uma metáfora política melodramática.

Jabor abusa das possibilidades em trazer para o ambiente do apartamento situações e tipos populares variados. Desde a família pobre de um dos trabalhadores que se instala no apartamento incomodando a família de classe média, a situação da empregada novata que se prostitui, ou ainda às frustrações amorosas da dona de casa, faz com que o diretor acabe se excedendo no uso tanto da alegoria quanto da música, característica que está bastante presente durante todo o filme. Se o diretor queria dá a impressão que o Brasil está todo dentro daquele apartamento, conseguiu ao mostrar que as classes estão segregadas quando assistimos patrões e operários almoçarem cardápios diferentes, mas que no final das contas serão todos juntos que fecharemos os buracos nos canos, como em um dos melhores momentos do filme em que todos (de todas as classes) tentam acabar com um vazamento no banheiro.

De um Brasil sintetizado num apartamento para um casal de quase desconhecidos em um ambiente similar, se passaram quatro anos. Em 1982, Jabor lança o filme Eu te amo protagonizado por Sonia Braga e Paulo César Pereio. Logo na primeira cena fica claro que o filme fará críticas à situação política do país. O filme se passa na década de 70 e retrata o fracasso do milagre econômico brasileiro, que acabou falindo alguns empresários como Paulo (Pereio) que durante todo o filme reforça a sua má situação financeira. Paulo e Maria (Braga), que acabaram de passar por desilusões amorosas, traçam uma fantasia romântica no apartamento do empresário falido.

Em um ambiente restrito e exótico repleto de luzes e espelhos, aos poucos os protagonistas vão se sentindo à vontade para revelar suas verdadeiras identidades, seus desejos, suas angústias e suas frustrações. Jabor tenta criar uma narrativa psicanalítica, mostrando a fragilidade e os impulsos dos seus personagens. Em especial aos impulsos de Maria que por ser rejeitada por outro homem, resolve se vingar criando uma personagem materialista e carnal. Além disso, o filme está encharcado de cenas de sexo. O próprio diretor alega que o filme é sobre sexo. E é de fato. Assim, Sonia Braga e Pereio nos apresentam um drama psicológico regado com muito erotismo.

No filme, Jabor começa a trabalhar com um estilo de flashback e com uma narração da cena ou dos pensamentos dos personagens que ajudam nesse tom de psicanálise que o filme pretende mostrar. Outros pontos que ajudam nessa composição são a cenografia e a fotografia do filme. Muitas das cenas realizadas sobre os reflexos de um grande espelho dão um toque especial à trama, colaborando com certa profundidade que o filme vai tomando, mas que acaba sendo limitada pelo próprio espaço do apartamento.

Encerrando a trilogia, Jabor lança em 1986 o filme Eu sei que vou te amar com Fernanda Torres e Thales Pan Chacon como os únicos atores do elenco. Seguindo o modelo de Eu te amo, o diretor resolve aprofundar um pouco mais na psicanálise de um casal. Os personagens de Torres e Pan Chacon acabaram um casamento há pouco tempo e resolvem se encontrar no apartamento do ex-marido para conversarem. O apartamento é mais uma vez o ambiente ideal para os personagens se despirem de qualquer imagem. O ex-casal aos poucos vai contando suas angústias, suas inquietações e principalmente suas verdades para o ex-companheiro (a). Em pequenos monólogos cada um vai expondo o que sente ou o que queria sentir e que o outro nunca foi capaz de lhe propiciar.
Jabor intercala as cenas do apartamento com vídeotapes, em que os personagens narram seus sentimentos, além de flashbacks de momentos que os personagens viveram que se tornam os pontos altos do filme. Assistir o personagem narrando seus sentimentos ou expondo seus verdadeiros pontos de vista, quebra um pouco com a monotonia que o filme apresenta. Além disso, com esses recursos o diretor consegue fazer uma narrativa descomprometida com aspectos temporais e espaciais, dando um tom até de experimentalismo para seu filme.

Eu sei que vou te amar
também apresenta um tom teatral na sua trama (característica presente nos outros dois filmes), não só pelo cenário, mais uma vez exuberante, exótico e alegórico, mas também pelo excesso de diálogos em suas cenas por hora bem realizados pelos protagonistas, em especial Fernanda Torres que ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes pelo seu trabalho no filme. É interessante notar também que o ambiente do apartamento no filme que aos poucos vai ficando saturado é refletido na relação esgotada do casal. No final do filme constatamos a importância do apartamento para os sentimentos dos personagens. Só mudando os móveis de lugar é que eles vão mudar seus comportamentos perante o outro.

Na sua trilogia do apartamento, Arnaldo Jabor consegue executar reflexões sociais, culturais e políticas a partir de pequenos núcleos como a família ou um casal. Tudo isso dentro de um pequeno espaço que parece ser o grande combustível para que a verdadeira imagem do indivíduo salte para fora. É interessante perceber que nos três filmes, Jabor consegue fazer com que discussões entre poucas pessoas se ampliem em diversos níveis, chegando a um tom universal sobre a temática em questão.

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