quinta-feira, 24 de junho de 2010

"A aura", por Bárbara Souza


Um filme argentino, lançado em 2005, roteirizado e dirigido por Fabián Bielinsky, que simplesmente se destaca dos filmes argentinos anteriores a ele, porque se trata de mudar o gênero predominante, acredito que o que irei colocar em questão não se restringe apenas à produção cinematográfica argentina, mas à do cinema latino-americano, que por muito tempo, e ainda hoje, volta-se para a produção de dramas e comédias; mesmo que os filmes tenham ação, como “Cidade de Deus”, “Parada 174” ou “Verônica”, em que existe tensão, os filmes ainda são voltados para o drama, para a denúncia social, ou seja, essa tensão que tem potencial para gerar o suspense são momentos raros nos filmes de drama, quanto às comédias essa tensão nem sequer existe, a não ser para parodiar; mas são esses dois gêneros os mais vistos no cinema latino-americano. Contudo, “A Aura” é exatamente o filme que escapa dessa tendência, ele dá uma guinada nessa questão do gênero, quando filma uma história, que poderia ser mais um drama, transformando-a em um suspense usando das técnicas e criatividade do diretor.

Esteban Espinosa (Ricardo Darín) é um taxidermista tímido, que passa os dias isolado em sua oficina. Contudo, ele tem o grande sonho de poder planejar o crime perfeito, ele planeja vários em sua mente e conta a seu melhor amigo, este resolve levar Esteban para longe da oficina e tirá-lo desse isolamento em que vive nosso protagonista. Assim, Eles fazem uma viagem às florestas da Patagônia com o objetivo de caçar. Acidentalmente, Espinosa mata o dono do lugar em que eles se hospedam e acaba descobrindo que ele é um bandido comum esquema milionário de assalto a um carro-forte. Ele resolve então levar o plano adiante por si mesmo, no entanto, Esteban tem epilepsia e ele se dá conta de que está tendo um ataque um pouco antes de acontecer, o que os médicos chamam de A Aura. Na verdade, o título do filme é bem empregado por possuir um duplo sentido, tanto esse comentado acima, que é dito claramente pelo personagem do filme, no caso, a doença seria a AURA, como o espectador pode pensar que a AURA significa a verdadeira face do personagem, porque todo o tempo ele é visto como um personagem pacífico, que apesar de querer planejar um crime perfeito, nunca seria capaz de executá-lo. No começo, Esteban nem sequer gosta da idéia de caçar, mas o espectador já tem vestígios do potencial criminoso do personagem na sutileza com a qual ele aprecia uma arma, nota-se um prazer contido, que se esconde no homem solitário, tímido e medroso. A cena em que ele mata o bandido acontece, justamente, depois que ele sofre um ataque epiléptico no meio da floresta, ou seja, porque ele decidiu atirar? Ele e seu amigo haviam discutido, o amigo o abandonou no meio da floresta, mas isso seria suficiente para que um homem tão pacífico decidisse matar a primeira coisa que visse, logo depois de um ataque? Um homem como ele provavelmente voltaria para a cabana e pediria ajuda, mas ele simplesmente atira sem nem saber em quê.

Essa análise talvez pareça ir longe demais, mas é a sensação que passa para o espectador, porque ele decide seguir adiante com o plano no lugar do bandido, mas em muitos momentos ele vacila, quer desistir e correr dali, mas, então, ele sofre um ataque epilético e aparece uma outra pessoa, disposta a tudo para atingir seu objetivo, satisfazer seu desejo; além disso, depois de matar o primeiro, os outros ficam muito mais fáceis, ele mostra uma personalidade diferente daquela apresentada no início do filme, tranqüilidade e vontade de cometer crimes.

Tudo isso é criado numa atmosfera sombria, gerando o suspense, a fotografia é “fria”, ou seja, as cores não são saturadas, a iluminação é mínima mesmo nas cenas pela manhã e tarde (com exceção de uma, quando eles descobrem que o hotel onde iam se hospedar não tem vaga), não há nenhuma cena que seja clara como a luz do sol, é como se você coloca-se um filtro para amenizar a intensidade da luz solar, além possuir muitas sombras, além disso, o cenário ajuda bastante a manter essa luz “opaca”, porque no momento em que eles se hospedam em uma das cabanas do bandido, por ser um local mais afastado da cidade, praticamente dentro da floresta, a iluminação já se torna pouca, dentro da floresta o clima só fica ainda mais “frio”; quase tudo (objetos, figurino, cenário, etc.) são tons de cinza, apesar do verde das árvores. Mas a fotografia e cenário não são tudo, os cortes secos passam tanto a simplicidade do protagonista, como sua frieza diante das situações, o que faz parte dessa segunda personalidade que ele adota; os planos são gerais para mostrar a ação criminosa, médios para uma indefinição da personalidade do personagem e closes para os ataques epilépticos e momentos de muita tensão do protagonista, os outros personagens não tem closes, pelo menos, não marcantes, o que coloca o espectador no mesmo plano de tensão e mistério do filme, a câmera gira em torno do personagem, faz plongée, contra-plongée e planos-detalhes para sugerir o efeito do ataque, o que intensifica ainda mais a idéia de que não é um simples ataque epiléptico, vai além, o que para mim é a aura do personagem, a verdadeira personalidade dele, mas mesmo que não seja isso, haverá outras interpretações a respeito desses ataques, pois não são mostrados de uma maneira comum, cria um certo medo e mistério; combinada a tudo isso está a trilha sonora que surge nos momentos mais críticos do filme, em que existe mistério, descobertas e tensão, a trilha é típica do suspense

Portanto, eu ressalvo que o gênero de suspense se sobressai ao drama, que não deixa de existir no filme, mas ocupa um segundo plano, pois todos os elementos cinematográficos se complementam para desenvolver um suspense, que até a data de lançamento desse filme não se assistia com tal intensidade na Argentina, pois as histórias que tinham esse mesmo potencial de suspense acabavam sendo um filme de drama primeiramente. Isso ainda acontece aqui no Brasil e acredito que em toda a América Latina, o suspense tem sido um gênero cinematográfico pouco valorizado, existe lugar para a ação, afinal, não se desliga da violência; mas o suspense vai além da violência, isso não se encontra nas salas de cinema com tanta freqüência, nem nos projetos cinematográficos existentes até o momento, pelo menos, aqui no Brasil; alguns alegam que é a questão financeira, um filme de suspense sai mais caro, mas assistindo “A Aura”, que não foi um filme tão caro, eu começo a suspeitar dessa afirmação.

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