sexta-feira, 25 de junho de 2010

“Whisky”, por Kianny Martinez


Segundo longa-metragem de Juan Pablo Rebella, ‘Whisky’(2003) é um filme que vem para o ‘mundo’ perceber que não só existe o cinema brasileiro, o argentino ou cinema mexicano (que ocupam cerca de 95% dos filmes latino-americanos), se destacando assim dentro desta cinematografia latino-americana.

Filme uruguaio, co-produzido pela Argentina, escrito pelo Juan Pablo e pelo Pablo Stoll é uma película que surpreende pelo seu caráter um tanto quanto excessivamente minimalista, meio parado e se encaixa muito bem entre a comédia e o drama. A película é uma espécie de registro quase que ‘documentarista’, muito próximo a realidade, mostrando a vida de pessoas numa faixa etária entre 55-65 anos, a falta de diálogos, as repetições da vida cotidiana, seu caráter metódico.

Tomando por base a vida de Jacobo, dono de uma pequena fábrica de meias que fica situada em Montevidéu, e de Marta, sua assistente, vemos o quão tediosa é a vida destes personagens. Seus dias se resumem a trabalhar na fábrica (fato que é mostrado repetidamente, uma rotina metódica e sem grandes acontecimentos) e a trocarem pouquíssimas palavras. Parece não haver existência fora da fábrica, desse mundo dentro do mundo, como uma espécie de zumbis que estão apenas passando pela vida.

Essa rotina dura por muito tempo. E eis que surge um fato catalisador para mudar um pouco essa rotina: Herman, o irmão de Jacobo. Vindo do Brasil para a cerimônia de passagem do aniversário da morte da mãe judia a pedido de Jacobo, acaba por provocar mudanças na vida de cada um deles. Herman é o oposto do irmão, é bem expansivo, tem um estilo de se vestir bastante peculiar, possui família e duas filhas e evidencia seu sucesso financeiro. Jacobo, um tanto quanto apático, dono de uma fábrica de meias decadente, com vergonha de que o irmão perceba que ele é totalmente solitário e veja o quão sua vida é sem graça, acaba convidando Marta para fingir que é sua esposa e passar uns dias em sua casa no período em que o irmão estiver lá. Ela aceita. É quase que uma demonstração de amor por ele, seria? E nesse período ocorre uma grande mudança na vida desses ‘estranhos’ que passam a ‘viver’ juntos.

Por ser tão minimalista e sem grandes acontecimentos o filme depende muito da capacidade de expressão e interpretação dos atores para dar certo, e eles fazem tudo correr muito bem. Personagens bem trabalhados. Diria que o personagem que possui uma profundidade psicológica maior é a Marta. Ninguém sabe nada sobre seu passado, o que pensa, se ela fica seduzida ou não pelo Herman e se ela gosta do Jacobo. O contraste entre a vida desses dois irmãos parece até uma alusão a situação dos dois países latinos.

A fotografia valoriza enquadramentos mais estáticos, tomadas com total ausência de planos seqüência, a câmera parece estar parada durante todo o filme e isso destaca ainda mais a narrativa. Com um tom de sépia predominante, poucos diálogos e nenhuma música. Mais componentes que vem a reforçar a idéia de estático, de vida parada. Um filme sutil, que consegue cumprir com todas as questões técnicas e encanta todos que possam assisti-lo.

Pablo Stoll, que co-dirigiu o longa com Juan Pablo Rebella, afirmou em entrevista para o Le Monde que ‘‘o importante é o coração, o sentimento, a idéia, e não o virtuosismo técnico’’. Parece que a beleza um tanto quanto triste está na simplicidade.

Tentando entender a película a partir do seu título, “Whisky” parece que assistiremos a um filme regado com litros e litros de álcool, fato que nem chega perto de acontecer. Veremos um filme bem lúcido, lento, num ritmo tranqüilo, mas com grande capacidade de prender o espectador. “'Whisky” é apenas a expressão utilizada por eles para que a pessoa sorria na foto, como o nosso “diga x”.

Premiado nos festivais de Roterdã e Havana, além de ser vencedor de três troféus em Gramado e indicado ao Oscar como melhor filme estrangeiro, é uma película rara da cinematografia latino-americana. Com uma história simples, nos conquista e em certos momentos nos ‘apresenta’ um pouco que seja do Uruguai. Um filme repleto de sutilezas que deve ser bem observado.

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