segunda-feira, 21 de junho de 2010

“O abraço partido”, por Maria Cecília Shamá.

David Fisher:
"Por que nos apegamos tanto ao passado?"

Ruth Fisher:
"Por que era quando havia esperança".

Six Feet Under.





Ariel (Daniel Hendler) vive em transição entre ser o que acha que deveria ser, e o que realmente é, ou está sendo. Após a longa ausência indefinida do pai, o jovem põe um pensamento na cabeça: de agora em diante será polonês a todo custo. É quando se possibilita aproximar-se do passado, dos fatos passados e das pessoas passadas e percebe que não se precisa de um atestado genealógico para se ter enfim, uma definição.

Na seqüência inicial de O Abraço Partido, a narração em off de Ariel é usada como ponto de partida para narrar seu próprio papel dentro da lógica de mercado. Somos apresentados à configuração do local onde o rapaz e sua mãe (Adriana Aizemberg) trabalham. A Galeria, como é chamado o lugar, reúne diversas etnias que se encontram ali com o objetivo de comercializar itens diversos.

Contextualizando a vontade de mudar do jovem, seja de ares ou de identidade, com a miscigenação cultural argentina, Daniel Burman sutilmente coloca em questão a figura da identidade nacional do seu personagem. Seria ele judeu, argentino, polonês ou alguma outra coisa? A subjetividade choca-se com o nacionalismo, e de forma descontraída o diretor coloca a mensagem de que a formação do sujeito, em culturas fragmentadas pelo encontro de outras culturas, gera a falta de identidade ligada à multiplicidade de escolhas.

Numa sociedade pluralizada, em forma e conteúdo, cabe ao sujeito escolher quem deseja ser. O sonho de Ariel de ir à Europa manifesta a vontade de melhores condições de vida de milhares de imigrantes, turistas ou cidadãos do mundo. A europeização, sinônimo de sofisticação e desenvolvimento pessoal e financeiro. E apesar do futuro se revelar infinitamente promissor em comparação ao presente, Ariel procura no passado as respostas. Porque seu pai foi embora? Porque nunca fala diretamente com ele ou com seu irmão? Quem ele de fato é?

Os temas universais são recorrentes ao longo da narratividade de O Abraço Partido, servindo de paralelo aos mundos inseridos ao universo particular de Ariel. A figura paterna almejada serve de ponto de equilíbrio e chegada a uma identidade, uma formação pessoal sólida. Os pais legitimam a existência dos filhos, mesmo quando de sua distância, emocional e/ou física.

A brincadeira recorrente com os planos do filme, assim como a própria fragmentação na montagem, causam a sensação de uma pequena grande história ali narrada, como se por sua pequenez e universalismo nos aproximassem por seu caráter de intimidade real. Quando Ariel percebe o valor das pequenas coisas e o fato de que nunca constituirá um todo completo, percebe-se já sendo algo, mesmo sem uma total definição. Como diria o poeta, “A felicidade se encontra nas horinhas de descuido”.

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