sábado, 25 de junho de 2011

"Estrela Nua", por Lara Buitron



É incrível como alguns filmes muito interessantes se perdem no tempo. Não estou falando de filmes “datados”, estou falando de filmes esquecidos pelos espectadores. É o caso de Estrela Nua, de José Antonio Garcia e Ícaro Martins, que apesar de ter recebido alguns prêmios de atuação e ter um roteiro intrigante e inteligente parece ter se perdido na curta memória cinematográfica do país. Tanto é que demorei mais de um mês para conseguir encontrar algum material extra-filme que fosse realmente interessante e relevante para essa resenha, para minha sorte Carla Camurati, a atriz principal, não se esqueceu dele.

A história à primeira vista parece simples, uma garota que é chamada para dublar uma atriz morta. Poderia ser contada de vários e vários jeitos, mas apenas um cinema periférico, experimental e inteligente como o cinema da Boca do Lixo paulista conseguiria deixar essa narrativa digna do universo de Nelson Rodrigues e no de Clarice Lispector, isso se evidencia numa das primeiras cenas, em que Glorinha está dormindo na cadeira com u livro de Clarice no colo e o próprio filme que é dublado é baseado em várias obras de Nelson.

O filme bebe também no universo da própria Carla Camurati, os próprios diretores admitiram que pensaram no filme para ela, como a própria já disse em entrevistas, quando era mais nova achava que sua imagem não pertencia a ela, que ela era mais do que um rosto bonito e que por isso não gostava de se ver no espelho, assim como a personagem de Cristina Aché, Ângela, que diz ao se olhar no espelho: “Eu odeio minha imagem”. Dentro do filme se encontra muito da atriz, várias coincidências, como na cena em que Glorinha corta os cabelos de qualquer jeito na frente do espelho, coisa que a própria Camurati admitiu ter feito com 13 anos em busca de uma imagem que fosse mais parecida com ela.

Acho que minha personagem predileta é Ângela, que é quase que uma segunda representação de Glorinha, seu eu lírico, tudo que acontece com ela no filme acaba acontecendo com Glória na vida real, por muitas vezes elas se misturam e não dá pra saber quem está morta e quem está viva. Sempre que vejo esse filme e penso no efeito-espelho das duas personagens me lembro da frase de Oscar Wilde: “a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”, ou até mesmo da frase do próprio filme, dita por Renée “o cinema tem uma magia louquíssima, geralmente o que se filme acaba acontecendo na vida das pessoas que filmaram”. O interessante da personagem de Aché é que você só a compreende se compreender o subtexto do filme, ela começa como uma incógnita que aos poucos vai se revelando no corpo de Glorinha, como que a possuindo, acho que o raciocínio de possessão se fecha e se completa com a última cena, onde o espectador descobre que as duas são amantes, mas não se sabe se as duas estão vivas ou mortas.

Esse filme se tornou um dos meus filmes nacionais favoritos, acho que pelo diálogo com o universo nonsense e bizarro, ou pela trilha sonora incrível de Arrigo Barnabé e Os Mutantes, ou até mesmo pelo conflito psicológico intenso que se desenrola no filme. A verdade é que pelas imagens e figurinos bizarros a maioria das pessoas nem se quer pensariam em ver esse filme, achando que ele faz parte da viagem de ácido de alguém, mas na verdade ele é muito bom. Se não vale pela história, vale pela incrível atuação de Carla Camurati, que ganhou o prêmio de melhor atriz pelo júri popular do Festival de Gramado, e também de Cristina Ache, que no mesmo festival ganhou o prêmio de melhor atriz. Enfim, minha vontade era fazer todo mundo que eu conheço ver esse filme e tirar ele dos escombros da memória do cinema da Boca do Lixo.


Referências Bibliográficas:
- Sternheim, A. (org.) (2005) Cinema da Boca – Dicionário de Diretores. Versão Virtual da 1ª Edição. Coleção Aplauso. São Paulo: Imprensa Oficial.
- Leão da Silva Neto, A. (org.) (2010) Dicionário de Astros e Estrelas do Cinema Brasileiro. Versão Virtual da 2ª Edição. Coleção Aplauso. São Paulo – Imprensa Oficial.
- Nadele, M. (2008) José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina. Versão Virtual da 1ª Edição. Coleção Aplauso. São Paulo: Imprensa Oficial.
- Alberto Mattos, C. (2005) Carla Camurati – Luz Natural. Versão Virtual da 1ª Edição. Coleção Aplauso. São Paulo: Imprensa Oficial.

(Todos os livros aqui citados podem ser encontrados em: http://aplauso.imprensaoficial.com.br/)

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