segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"Enamorada", por Marina Rodrigues Soares



“O que não entendo é que sendo tão mexicano, ele nunca tenha se apaixonado”: com essa frase dita pelo personagem estrangeiro Roberts, se tem uma idéia do que esperar de Enamorada, melodrama mexicano de 1946. Uma das principais características do filme é a intensidade de seus personagens principais. Enamorada é mais um trabalho da premiada parceria entre Emílio Fernandez, na direção, e Gabriel Figueroa, na fotografia, e faz parte da “Época de Ouro” do cinema mexicano. Com atuações marcantes de Maria Felix, no papel de Beatriz Peñafiel, e do astro mexicano Pedro Armedáriz, como o General José Juan Reyes, este filme ganhou o Ariel (prêmio do cinema mexicano) de melhor filme, diretor, ator, ator coadjuvante, atriz, fotografia e edição.

Em Enamorada fica clara a veia nacionalista de Emílio “El índio” Fernandez, neste caso simbolizado pelo mito da fundação nacional. Com uma clara referência a “ A megera domada” de Shakespeare, a história acontece durante a revolução, quando um general zapatista conquista a conservadora cidade de “Cholula”. Enquanto os ricos latifundiários são confiscados, ele se apaixona pela bela e geniosa Beatriz Peñafiel, filha do homem mais rico da cidade, Don Carlos. Para alguns críticos o verdadeiro objetivo de Fernández foi uma reformulação mítica dos arquétipos nacionais de gênero, trazendo a visão de um novo México, onde as mulheres lutam por justiça viril e heroicamente ao lado de homens que demonstram sensibilidade.

Quando o filme começa fica aquela duvida sobre quem é o vilão. Desde o começo, com a chegada das tropas revolucionárias, temos claro que seu líder, José Juan, não é apenas um general implacável. Isso fica claro na sua amizade com o Padre – de quem foi colega no seminário - e na demonstração de carinho que tem por sua “filha”, na verdade a filha de um amigo que morreu. Isso já nos coloca uma dúvida: será que ele é tão frio quanto aparenta? Na mesma cena temos a resposta quando o Sr. Roberts, o noivo norte-americano daquela que virá a ser sua amada, percebe que o que lhe falta é o amor.

Por um acaso do destino, José Juan acaba se apaixonando pela filha de seu inimigo, mas ao descobrir o parentesco com sua amada, não só o liberta como pede perdão. Começa aí a redenção e o calvário de Juan, ao tentar conquistar sua amada. Por seu lado, Beatriz não é a típica mocinha melodramática. Ela não é do tipo que fica se lamentando, é forte e intempestiva, características que, alerta o Padre, podem lhe trazer problemas. E é essa atitude que faz José Juan se apaixonar.

Quando duas pessoas muito independentes e de origens opostas se apaixonam, o que se pode esperar? Nada além de problemas. O filme segue com seqüência em que Juan tenta conquistar Beatriz e ela o humilha. Logo após libertar Don Carlos, o General vai fazer uma visita à família e ele e Beatriz protagonizam uma cena de comédia paspalhão que poderia ter passado em branco. Em outro momento, os dois se encontram em frente à Igreja e, em meio a uma calorosa discussão, José Juan reage aos tapas dados por Beatriz e acaba por derrubá-la no chão. O Padre aparece para acalmar a situação e justifica a ação do General pela provocação de Beatriz, ou seja, seu mau gênio lhe trazendo problemas. Outra cena bastante bonita e nacionalista é a da serenata de mariachi, em que se tem uma das imagens mais bonitas do filme, um close nos olhos marcantes de Beatriz.

Uma simbologia interessante usada no filme é a do quadro que mostra os três reis magos de joelhos ao redor do menino Jesus. O quadro, é claro, está na Igreja, e Juan refere-se a ele como uma ironia, pois os três reis, que simbolizam poder e opressão, estão ajoelhados diante daquele que é símbolo de caridade e bondade, e que por esquecer-se desse símbolo a sociedade estava daquele jeito. Uma linha de moralidade típica do melodrama. Mais tarde, ao saber da opinião de Juan, é que Beatriz começa a ver o general com outros olhos e que seu coração começa a se abrir para ele.

Neste filme não há vilões, mas o maniqueísmo típico do melodrama está presente. Neste caso, a Igreja aparece como o lado bom que vai ajudar os homens, no caso Beatriz e José Juan, a se regenerarem de seus lados ruins – ela o gênio e ele a frieza – através do amor. É o Padre que faz com que Beatriz veja o lado bom de José Juan, e é na Igreja que acontece a declaração final que vai fazer com que eles fiquem juntos.

O final do filme é magistral. Mais um trabalho de fotografia brilhante de Gabriel Figueroa, em que ele consegue captar brilhantemente um momento em que as palavras são substituídas por gestos e expressões. Primeiramente, Beatriz abre mão do casamento com o noivo norte-americano, numa clara expressão do sentimento nacionalista, que é simbolizado pelo rompimento do colar de pérolas que ela havia ganhado do noivo. Logo em seguida ela pega da empregada o xale com que tomará o posto de soldadera – mulheres da tropa revolucionária que tiveram papel imprescindível na revolução – ao lado de José Juan. É impossível não se emocionar com a bela cena do soldado e a mulher caminhando a seu lado, e juntos vão enfrentando batalhas, desafiando a morte em nome do amor.

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