sábado, 20 de novembro de 2010

"Deus e o diabo na terra do sol", por Jackson Barbosa da Costa




Deus e o Diabo na Terra do sol (1964) é um filme de Glauber Rocha e fez parte do que ficou conhecido como o cinema-novo brasileiro e, num âmbito mais geral, como novo cinema latino-americano. Este era um cinema engajado, que se preocupava em retratar os problemas sociais, políticos e econômicos da região. O filme foi escolhido porque se encaixa nas discussões feitas em sala-de-aula e é um exemplo eficaz dessse cinema, trabalhando alguns dos problemas enfrentados pelo sertanejo.

Para falar sobre o homem sertanejo, Glauber conta a história de um personagem que vai simbolizar estes homens da caatinga, seu nome é Manuel (Geraldo Del Rey). O vaqueiro Manuel se revolta contra a exploração de que é vítima por parte do coronel Morais (Antônio Pinto) e mata-o durante uma briga. Foge com a esposa Rosa (Yoná Magalhães) da perseguição dos jagunços e acaba se integrando aos seguidores do beato Sebastião (Lídio Silva), no lugar sagrado de Monte Santo, que promete a prosperidade e o fim dos sofrimentos através do retorno a um catolicismo místico e ritual. Ao presenciar o sacrifício de uma criança, Rosa mata o beato. Ao mesmo tempo, o matador de aluguel Antônio das Mortes (Maurício do Valle), a serviço dos coronéis latifundiários e da Igreja Católica, extermina os seguidores do beato. Em nova fuga, Manoel e Rosa se juntam a Corisco (Othon Bastos), o diabo loiro, companheiro de Lampião que sobreviveu ao massacre do bando. Antônio das Mortes persegue de forma implacável e termina por matar e degolar Corisco, seguindo-se nova fuga de Manoel e Rosa, desta vez em direção ao mar.

Como mencionado acima, Glauber utiliza um protótipo de personagem que simboliza o homem sertanejo de modo geral, ou seja, se utiliza de uma linguagem metafórica. Assim como ele metaforiza o sertanejo, metaforiza os outros personagens: o coronel Moraes simboliza a classe abastada nordestina, detentora do poder político da região; o beato Sebastião representa o líder messiânico, que quer mudar a realidade através da fé religiosa; Corisco retrata o cangaço, que entende que esta mudança se dá pela luta armada; e Antônio das Mortes, matador profissional, figura sinistra, melancólica e lógica de assassino visionário, imagina que, uma vez eliminados o diabo (Corisco) e Deus (o Santo Sebastião), haverá então a guerra de libertação, ou melhor, a revolução, que redimirá o sertão. Outro personagem interessante é o cego Júlio, que representa uma espécie de cantor popular, cantando e narrando momentos importantes da película.

Como podemos perceber, estes personagens retratam a realidade brasileira. Suas relações representam a dinâmica de poder político e econômico, que é extremamente desigual a depender da classe social a que se pertence. Por exemplo, o coronel é detentor desse poderio, enquanto o sertanejo é o oprimido da situação, que por sua vez recorre à fé religiosa e à luta armada como forma de escapar dessa realidade social opressiva.

Isso mostra que Deus e o Diabo é um filme extremamente engajado, em que a fronteira entre teoria e roteiro é bastante fluida. Segundo José Carlos Avellar (1995, p.7), "podemos perceber o roteiro não só como anotação utilitária sem vida própria que desaparece quando o filme fica pronto, mas como expressão independente.". Assim, o roteiro não é só uma ferramenta de representação visual, mas também uma ferramenta política, em que a teoria anda junto.

Este é um filme que deve ser visto, não apenas por se tratar de um clássico do cinema brasileiro, mas porque aborda problemas recentes da nossa realidade, que antes de tudo precisam ser conhecidos para serem superados.

Bibliografia

AVELLAR, José Carlos. “Napoleão a Cavalo”, In: A Ponte Clandestina. Editora 34, 1995.

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