segunda-feira, 22 de novembro de 2010
"Memórias do Subdesenvolvimento", por Vanessa Albuquerque
Baseado no romance de Edmundo Desnoes, Memórias do subdesenvolvimento é dirigido pelo cubano Tomás Gutierrez Alea, em 1968. Retrata a Havana de 1961, marcada pela partida de inúmeros cubanos que, desacreditados no sistema político em vigor, abandonaram o país em busca de melhores condições de vida. O filme explora o dilema do intelectual de classe média alta, encarnado no personagem Sergio, que não consegue inserir-se ativamente nos problemas cubanos, mas reconhece e reflete o processo histórico que se desenrola. Sergio leva uma vida programada e tediosa, marcada por suas recordações pessoais, observando a cidade através de uma luneta instalada na sacada de seu prédio. É facilmente reconhecível o seu afastamento do mundo “real” cubano, das mazelas do subdesenvolvimento; embora Sergio tente compreender a situação de subdesenvolvimento, ele não faz parte dela.
Nesse contexto, entra em cena o relacionamento de Sergio com Elena - jovem do povo, ingênua e leiga - como uma tentativa de aproximação do personagem com a realidade do povo cubano, de seus valores e problemáticas. Contudo, ele não suporta essa intimidade e percebe a falta de entusiasmo que tem em relação a ela, atestando, mais uma vez, que há pouca possibilidade de entrosamento entre o seu mundo e o de Elena.
É característica do Cinema Novo Latino Americano a busca por afirmação política e estética. Principalmente a partir da segunda metade da década de 60, rompe-se com o modelo hollywoodiano, originando simbologias próprias, latino-americanas. O cinema estaria comprometido com o seu tempo e engajado na reflexão das particularidades da minoria, há muito marginalizada na produção cinematográfica. Da mesma maneira, considera-se que os sujeitos também devem constituir-se como parte ativa do processo histórico, conscientes de suas responsabilidades, principalmente no âmbito político.
Memórias do Subdesenvolvimento revela a preocupação do Cinema Novo em retratar as problemáticas do Terceiro Mundo a partir dele próprio, mas também sob a ótica do estrangeiro. Nesse caso, o olhar do estrangeiro revela um modelo de cubano caricaturado no tropicalismo, num atraso passivo, e não se envolve nas dinâmicas de sua sociedade.
A morte do pássaro e a forma como Sergio se desfaz dele com tanta naturalidade no início do filme soa inquietante, pois parece representar o próprio final do personagem, peça banal e descartável no sistema em que se insere, e a frase dita nesse momento repercute como uma premonição de Sergio para ele mesmo: “tudo em ti foi naufrágio”.
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