sábado, 20 de novembro de 2010
“A ‘Tanguédia’ será nossa vingança!”, por Natália Ribeiro Barreto
No período de regime militar entre 1976 e 1983, a Argentina mergulhava em um dos momentos mais violentos e opressores de sua história, fato que resultou na morte de milhares de civis e na fuga de alguns milhares mais para países como a França. Nesse contexto, ao que parece, para Solanas, as conseqüências devastadoras causadas pela dor de um exílio não poderiam ser, meramente, o remoer de lembranças distantes. Grandes perdas merecem grandes manifestos! Para isso, Solanas, em Tangos, o Exílio de Gardel, inova ao propor que estas sejam também “dançadas”.
O esforço de um grupo de artistas argentinos, exilados na França, na realização de um espetáculo dançante sobre Carlos Gardel, representa o esforço na conservação dos laços entre o exilado e seu país, além de uma declaração metafórica dos sentimentos de revolta e incompletude trazidos por esse afastamento. Curiosamente, o espetáculo não é elaborado na França, e sim através de uma ponte imaterial entre o país do exilado (quem está aqui) e o país do exílio (quem está lá). Além disso, os personagens do filme atribuem ao espetáculo a qualidade de uma “Tanguédia”, resultado da combinação entre tango, tragédia e comédia. Nesse sentido, tem-se o tango argentino como ponto de referência e evocação de uma origem e de uma história, forçosamente, deixadas para trás. O espetáculo nasce da junção e harmonização de histórias, aparentemente, desconexas, mas que caminham num mesmo sentido. Abandoná-lo seria também abandonar a memória dolorosa do exílio e a luta contra a opressão que o ocasionou.
Permeado de metáforas, o filme desencadeia discussões sobre um fim ou não para o espetáculo, o que remete, diretamente, à insegurança de um futuro que estaria por vir. Nos personagens sempre ressoa a pergunta: “Será que o exílio terá fim e poderemos, com ele, sonhar na concretização de um país livre, feliz e solidário? Ou ainda teremos que vagar como filhos bastardos de uma pátria que nos renegou?”. Além disso, o filme brinca com o estado de consciência transitório entre realidade e sonho ao retratar conversas dos personagens com grandes figuras, já mortas, como Gardel e o General San Martin, mártires e personificações idealizadas de coragem, capacidade e perseverança.
Se “Exílio é ausência”, como nos propõe Gerardo (Lautaro Murúa), o retorno ao país de origem não se torna menos dramático. O medo diante daquilo que não é mais o que conhecíamos, torna-se maior do que o medo do desconhecido, no entanto, “é preciso voltar mesmo que nos falte vontade”, ou seja, é preciso atar as duas pontas: a da realidade que existe agora com a da realidade deixada no momento da partida. Caso contrário, corre-se o risco do esquecimento total e nega-se toda uma vida dali para trás.
As consequências do exílio, no entanto, não recaem apenas sobre os exilados no momento presente, mas sobre todas as futuras gerações, denominadas “filhos do exílio”, às quais foram negados o direito de vínculo e reconhecimento com sua terra de origem. Ao longo da narrativa, percebe-se que a “Tanguédia” não significa nada para aqueles que vivem fora da realidade do exílio, ou seja, o espetáculo, em sua essência, só se justifica para aqueles que o pensam (os exilados no país estrangeiro) e para os que são pensados durante sua realização (os exilados no país de origem). Em resumo, pode-se dizer que o filme resulta num gênero dramático ensaiado para ser dançado, mas criado para ser um manifesto.
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