segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"Happy together", por Ricardo Moura



Happy Together é um elogiado filme escrito e dirigido pelo chinês Wong Kar-Wai, produzido na Argentina em 1997. O filme se inicia com um narrador, que depois descobrimos ser Lai Yiu-Fai, falando de sua conturbada relação com Ho Po-Wing. Ficamos sabendo, então, que após uma série de rompimentos e reatamentos, o casal de chineses resolve recomeçar mais uma vez, só que agora decidem ir para a Argentina.

Após a breve apresentação do problemático casal, o filme se transforma em um road movie e, já na América do Sul, os dois chineses decidem ir de carro às cataratas do Iguaçu. Diante dos vários problemas encontrados que os impedem de chegar às cataratas, o casal rompe mais uma vez. O road movie, então, termina sem cumprir seu objetivo. Ho Po-Wing e Lai Yiu-Fai nunca chegarão a ver as cataratas juntos. O recomeço frustrado em terras distantes, as dificuldades da condição de imigrantes chineses pobres em Buenos Aires e a incapacidade do casal de tornar concreto o plano de chegar às cataratas dão o tom de toda a narrativa.

Depois de romperem a relação na estrada, Lai Yiu-Fai consegue o seu primeiro emprego na cidade, como porteiro em uma famosa casa de tango de Buenos Aires. É então construída uma situação emblemática da condição dos imigrantes chineses na cidade, apresentada de forma muito sutil por Wong Kar-Wai, que foge durante toda a narrativa dos instrumentos simples e das fórmulas fáceis.

Fai trabalha no Bar Sur, uma das mais famosas casas de tango da Argentina – está sempre perto de onde se manifesta um dos mais emblemáticos ícones da cultura argentina, mas quase nunca passa da porta de entrada e jamais consegue dançar o tango, também não consegue dinheiro o bastante para retornar a Hong Kong, como deseja. O dinheiro que ganha é suficiente apenas para pagar o aluguel de um pequeno muquifo em um cortiço no subúrbio pobre de La Boca. Ele está sempre em um limbo periférico. Ho Po-Wing, por sua vez, consegue entrar e dançar como um cliente do Bar Sur, mas somente na condição de miché. Precisa vender seu corpo e, ironicamente, o faz para outros estrangeiros, porém ricos e não chineses, para conseguir assim ter acesso a uma Buenos Aires que de outra forma lhe seria vedada.

Também é notável a relação que Wong Kar-Wai constrói entre seu filme e a cidade de Buenos Aires. Eu já havia assistido ao filme antes de ir à Argentina, porém, depois de conhecer a cidade e os portenhos, mesmo com a superficialidade de um turista, e de conversar com pessoas que tinham vivido lá por algum tempo, a história do filme me apareceu de outra forma. O diretor chinês não cai na tentação em que caíram outros diretores que fizeram filmes em cidades com personalidade forte como Buenos Aires: a de fazer da cidade uma protagonista da narrativa. Muito menos impede as pessoas do resto do mundo de compreender e se envolver com a história da conturbada relação entre os dois personagens de tão fortes e distintas personalidades. Wong Kar-Wai, no entanto, fornece certamente uma ampla gama de elementos interpretativos aos que conhecem a relação dos portenhos com os imigrantes chineses, os bairros da cidade, e a relação entre o tango, o turismo e a prostituição. Os portenhos e as pessoas que lá viveram por algum tempo e que portanto conhecem a fundo a cidade de Buenos Aires têm, com certeza, a possibilidade de compreender a história de Happy Together de maneira singular.

A forma com que as cores são utilizadas na construção narrativa também é brilhante. O início triste do filme, em que o casal não consegue chegar às cataratas, e suas difíceis vidas após o término da relação depois de tão grande esforço para ir à Argentina, são representados em preto e branco. A primeira cena colorida, dominada por tons de um vermelho intenso, surge quando Ho Po-Wing chama Lai Yiu-Fai ao seu hotel – a primeira possibilidade de um recomeço. Quando descartada essa possibilidade, o branco e negro volta a dominar a tela até que Ho Po-Wing propõe novamente um recomeço. A cena em que os dois vão de ônibus do hotel de Ho Po-Wing ao cortiço em que vive Lai Yiu-Fai – a primeira após a proposta - é a primeira de uma série que o espectador vê em cores. Em seguida o apartamento, outrora visto por uma fria escala de cinzas, nos é apresentado aconchegante nas cores quentes de Wong Kar-Wai. Passamos novamente a ver cenas do trabalho de porteiro do Bar Sur, que continua o mesmo, só que depois do recomeço ele também fica colorido.

Apesar da pobreza e da difícil relação do casal, pontuada por constantes e intensas brigas, os momentos passados junto a Ho Po-Wing em seu pequeno apartamento são os que Lai Yiu-Fai identifica como os mais felizes da sua vida. A felicidade de Wong Kar-Wai em Happy Together é bonita, colorida, mas nunca é fácil.

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