sexta-feira, 25 de junho de 2010

"O homem em cena", por Marina Paula


Na década de 1990, em meio às crises econômicas de uma Argentina recém saída da ditadura, registra-se a emergência de um fenômeno cinematográfico. É Pizza, Birra, Faso, estréia de Adrian Caetano e Bruno Stragnaro, em 1997, que marca o início de um novo cinema feito no país. Filmes independentes, de baixo custo, realizados por jovens ousados, que resolvem nos trazer um lado ainda não muito explorado pelas produções portenhas anteriores. Em vez de um discurso político repleto de alegorias que representassem todo um país, é dado lugar ao indivíduo. Os olhares agora centram o cotidiano dos personagens, que, muitas vezes, nada têm de incomum, e a aposta é que seja mesmo essa falta de grandes explosões e viradas de jogo que cause algum fascínio no espectador. Algo que Mundo Grua, primeiro filme de Pablo Trapero, faz com maestria.

É já numa das sequências iniciais, com imagens em preto e branco e uma instável câmera no ombro, que o cineasta nos convida a (literalmente) seguir seu personagem principal. Rulo (Luis Margani) é um homem de 49 anos de idade à procura de emprego. A situação atual em nada pode nos remeter à sua vida anterior. Agora muito acima do peso, seus cabelos desgrenhados e semblante cansado destoam completamente de sua imagem na juventude, quando tocava numa conhecida banda de rock. Dependendo da ajuda de amigos para conseguir trabalho, acompanhamos todas as etapas do seu processo de contratação, até a posterior rejeição.

À primeira vista, por dar tanta ênfase à questão do trabalho e do desemprego, pode parecer que o filme mantém-se preso a uma tradição de cinema “denuncista”, mas não demora muito para percebermos que Trapero está muito longe de assumir tal posição. É, inclusive, uma grande característica de seu cinema saber mostrar esses problemas sociais sem necessariamente erguer bandeiras. Focando todas as atenções no protagonista, Mundo Grua consegue funcionar, sobretudo, como um registro da situação da classe média durante o malogro que assolava o país à época. Um registro de como a situação passava a condicionar certos aspectos na vida de cada pessoa. São as dificuldades do momento que fazem com que Rulo deixe de lado o desejo de viver como músico para se deixar levar por trabalhos maquinais, destino seguido também por seus outros companheiros de banda, e que, posteriormente, o farão deixar de lado sua própria casa, família e relacionamento para trabalhar em outra cidade.

Acompanhar os dias de Rulo, conhecer o seu apartamento emporcalhado, seu relacionamento com sua mãe e seu filho, que, de alguma forma, parece tentar repetir o sucesso musical do pai (sem sucesso, vale dizer), os problemas de saúde, seus risos, novos amores e amizades, tudo mostrado sem grandes elipses e sem maquiagens, parece realmente nos fazer ter a sensação de estar sendo apresentado a uma pessoa real.

Talvez o sucesso de Mundo Grua, e dos filmes de Trapero, em geral, esteja mesmo em saber combinar a ousadia de reproduzir numa tela a vida de uma pessoa de forma altamente verossímil e o bom senso de saber quais momentos desse dia-a-dia aproveitar, balanceando essas escolhas de maneira a não se arriscar por um radicalismo como o de La Libertad, filme posterior, de Lisandro Alonso, nem precisar criar alguma pequena trama paralela que possa fazê-lo ganhar interesse. Agora, seus cenários e personagens reais bastam como representantes de um cinema argentino que nos traz, finalmente, o homem em cena.

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