quinta-feira, 24 de junho de 2010

"Plata Quemada", por Rinaldo da Silva Pereira Junior



Longe da preocupação política e social e da busca por uma identidade nacional que marcou em grande parte o cinema novo do final dos anos cinqüenta e inicio dos sessenta, e que na verdade foi sua principal característica determinando uma estética própria, revolucionária e temas condizentes com essas preocupações, o cinema dos países latinos onde esse sopro de cinema novo mais se destacou (Brasil, Cuba e Argentina) sofreu uma completa reformulação quando na virada da década de oitenta e inicio dos noventa em parte pelo processo de redemocratização que esses países passaram a viver, depois de um longo inverno de ditaduras militares e por outro lado pela formulação do que veio a ser chamado posteriormente cinema moderno que determina uma significativa mudança na maneira do cinema representar o mundo, determinando principalmente uma guinada temática e estética nos filmes produzidos a partir de então.

A Argentina que havia parido um dos mais combativos cineastas do cinema novo ao lado de Glauber Rocha, Fernando Solanas, famoso pelo seu manifesto onde estabelece os princípios do chamado tercer cine e por sua contundente revisão histórica do passado argentino com "La hora de los hornos", passa então, com seus novos realizadores, a uma visão menos engajada de sua história e assim como o cinema de seus vizinhos brasileiros, embora ainda preocupados com questões político-sociais, deixa de lado o tom messiânico e passa a retratar o seu povo nos seu dia, na sua luta cotidiana a partir de um tom não-idealista e mais humanitário.

O novo cinema argentino, como passou a ser chamado, inicia-se na virada para a década de noventa, paralelo ao surgimento de dois fenômenos que lhe fomentam: o aumento do interesse por cinema e do numero de alunos de cinema e pelo surgimento e ressurreição de festivais de cinema nacionais como o de Mar Del Plata e o Bafici de cinema independente. A vitória de la historia oficial como primeiro filme latino americano a ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1985, chama a atenção do mundo para o cinema do país.

Nesse movimento muitos jovens cineastas ganham relevância. Entre eles, e não tão jovem quanto, surge a figura de Marcelo Piñeyro, que havia sido produtor executivo de La historia oficial. Tomando as rédeas na direção Marcelo Piñeyro passa a ser sozinho responsável pelas maiores bilheterias do cinema argentino a partir de então e desde sua estréia com tango feroz em 1992 que registra recorde de bilheteria no país. Com seu segundo filme caballos salvajes consegue o segundo maior recorde de audiência além de participação em importantes festivais pelo mundo afora, projetando-o definitivamente como diretor de linha de frente do cinema latino.

Em 2000 com "Plata quemada", película baseada em um romance do escritor Ricardo Piglia que por sua vez foi baseado em um famoso assalto a banco e a resultante perseguição ao bando que envolveu a policia argentina e uruguaia e que durou quase três meses em 1965, Piñeyro extrapola e faz de seu filme o mais visto até então no Uruguai e novamente ganha ampla projeção internacional.

Refletindo a nova estética e as novas temáticas do cinema moderno e os esquemas de produção globalizados de realização, plata quemada é uma produção conjunta da Argentina, Uruguai, França e Espanha de narrativa eletrizante e de personagens extremamente complexos.

Nenê e Angel formam um casal de homossexuais marginais, engendrado nos banheiros de estações de trem em Buenos Aires e junto com El cuervo, viciado especialista em assaltos, serão recrutados por figurões que ficarão sempre por trás da cena para um ousado assalto.

Os três formam um grupo de figuras estranhas, marginais e muito distantes do argentino retratado no cinema clássico do país. Angel é altamente sensível e é constantemente perseguido por vozes, que o leva à dolorosos transes místicos. Nenê se divide entre a atenção incondicional ao seu amante e seu irreprimível desejo por sexo, o que o leva a mórbidas incursões ao submundo homossexual. E o assaltante profissional e drogado El cuervo, inconstante e explosivo. Juntos vão levar à cabo o ousado projeto que não resultará nada bem sucedido e que terminará em um apocalíptico, insano e irremediável fim.

Os cabeças da empreitada estarão sempre nos bastidores dando ordens, escondendo-se ou simplesmente indiferente à caçada que se abate sobre o trio. São figurões importantes que sabem apenas planejar e possuem um talento nato em tirar suas cabeças do cutelo e colocar outras no lugar, o que reproduz o esquema sujo, desigual e injusto em que esse tipo de empreitada é sempre estruturado. É um esquema que desvenda um conluio típico bastante comum em países subdesenvolvidos entre policia/figurões de poder político e econômico e marginais. Podemos vê-lo em outras películas contemporâneas como cidade de deus, por exemplo.

"Plata quemada" é um filme de narrativa múltipla, ás vezes contado pelas vozes dos próprios personagens, ás vezes por uma voz em terceira pessoa. A sensação de sufocamento, de isolamento, perseguição e irreversibilidade cresce à medida em que a paranóia e o ensimesmamento dos personagens em seu exílio forçado no Uruguai toma conta. A relação entre os três deteriorasse crescentemente, levando a crises violentas e demonstrações de intolerância.

Apesar do ritmo de loucura crescente, plata quemada é também uma história de amor incondicional, da necessidade de companheirismo, de compreensão e amizade. Destaque também para a montagem ágil e as ótimas interpretações, principalmente Eduardo Noriega como Angel. Sem duvida um excelente exemplar do moderno cinema argentino, que consegue responder à altura as novas demandas estéticas e temáticas do cinema pós-cinema novo.

Um comentário:

  1. Da história interesante. Eu amei o personagem do ator Leonardo Sbaraglia, a quem eu agora gostaria de ver na nova serie 2015 : "O hipnotizador" Eu recomendo que você vê-lo.

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