quinta-feira, 24 de junho de 2010

Jabor Tropicalista, por Ingrid santos


Anos 70. Teatro oficina, “O rei da vela”, “Galileu Galilei”, “Pequenos burgueses”, “Carnaval do povo”, Helio Oiticica, parangolés, “Seja marginal, seja herói”, Novos baianos, “acabou chorare”, Tropicalismo, Elis Regina.Tudo isso e uma ditadura militar. No auge da repressão nossa rebeldia chega ao ápice. Só depois de atos institucionais e combates armados é que chegamos ao limite do provocador. Zé Celso Martinez deglutia o mundo e expurgava Brasil por todos os orifícios de seu Teatro. Oiticica quebrava com limites entre arte e carnaval com seus parangolés, quebrava limites éticos com seu canto a “marginalidade”. Guitarras e violas soavam juntas numa mistura lúbrica de ritmos e culturas. E a maior cantora do país gritava dores e amores mil, clamava pelo corpo do amado, e entoava cantos a orixás e velhos revolucionários. E no meio de todo esse furdunço, Arnaldo Jabor faz “Tudo bem”.

O filme é uma grande alegoria desse Brasil. Temos uma família da classe média presa num apartamento onde a reforma nunca acaba. A semelhança com um país de promessas de melhora é mais que óbvia. Essa reforma tem sua origem numa situação tão nonsense, quanto à bateria de escola de samba que eventualmente passa pela sala da família. Em “Tudo bem” temos uma gente perdida num país que não está nem perto de entender. Isso fica claro na posição complacente em que a família se coloca diante dos desabrigados que ali ficam ou da procissão de crentes que louvam sua empregada.

Não seria o simples retrato o êxtase do diretor. Destoaria muito de seus contemporâneos setentistas se não chocasse a moral vigente. Tensões homoeroticas, iconoclastia e louvores etílicos ao sexo, pipocam no enredo. Numa cena que mimetiza todo o filme, ou antes, o objetivo deste, Juarez (pai de família interpretada por Paulo Gracindo) toma um porre e finalmente grita a estupidez de sua vida de classe média, só bêbado se da conta do sofrimento de seu empregados, e da superficialidade de seu casamento. É Num porre que grita suas vontades, de mulher, de uma vida melhor, de justiça. É só num porre tropicalista que o Brasil percebe e grita suas incongruências.

O filme se faz de momentos alegóricos. O que dizer de uma festa por sobre o sangue de um assassinato, de um sindico que expulsa pobres por não constarem nos livros, de um americano que vende satélites no Brasil, de um abraço entre uma empregada nordestina e outra ex-prostituta favelada ao som de uma ladainha? As metáforas aparecem de todos os lados e a todo o momento. Ostensivas, repetitivas e, aos nossos olhos contemporâneos, rasas.

Nem por isso o filme deixa a desejar. Talvez por sua amplitude, quase um parangolé costurado das verdades de nosso país, o filme tenha seu maior valor. Ele não se limita a uma denuncia chata de injustiças já cansadas. Arnaldo Jabor consegue zombar da e na cara de todo o povo brasileiro. Ninguém lhe escapa. Operários, feministas, madames, burgueses e idealistas, todos estão no filme. Como toda zombaria com propósito o filme levanta questões de ordem primeira na nossa realidade e, diferente do pretenso jornalismo que seu diretor pratica atualmente, incita incômodos debates sobre nós mesmos.

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