quinta-feira, 24 de junho de 2010

A Batata Escabrosa, por Thiago Rocha Ferreira


Que filme estranho esse peruano "A Teta Assustada" de Claudia Llosa. Estranho por sua indefinição. Se por um lado temos o realismo fantástico e o kitsch das comunidades ao redor de Lima, por outro temos um registro histórico-politico, bastante esvaziado. E como se já não bastasse, é nessa zona turva entre ser propaganda turística e ser histórico e político, o filme insere ainda uma narrativa de embate entre classes.

A história é sobre Fausta, uma índia que tem uma batata na vagina por que tinha medo de ser estuprada. E que tem a doença da teta assustada, que segundo as crenças indígenas, fora passada de mãe para a filha durante a amamentação na época do terrorismo. A mãe de Fausta morre logo no começo do filme e ela não tem dinheiro para levar a genitora ao povoado de origem. Por isso vai trabalhar na casa de uma rica pianista.

As caracterizações da patroa/pianista não podiam ser piores. Ela é languida, branca, e muito rica. Enquanto que nossa protagonista é inocente, índia, pobre. A relação entre as duas parece estar à beira de uma detonação. Fausta parece esperar a todo o momento que a patroa a ponha pra fora. Até que um colar se quebra. E aí esse encontro entre classes ficará mais instigado: inicia-se uma relação de interesses entre a patroa e a empregada. Numa das muitas tentativas de mostrar a cultura peruana, dessa vez através das cantorias indígenas, que tanto a mãe como a filha cantam. São letras improvisadas que surgem em momentos de angústia e dor e são cantadas como forma de esquecê-las. Por isso não se pode cantar a qualquer momento. Daí o que a diretora faz: num momento desses a pianista ouve a empregada cantando. Pede para que ela cantar de novo, o que ela não obedece. No momento que o tal colar de pérolas que ela usa em casa diariamente, diga-se de passagem, se espedaça e Fausta vai ajudá-la, a patroa oferece uma pedra de pérola para que ela cante as melodias. Ou seja, uma música, uma pérola. Ou, no caso de a que se presta o filme, a música é uma pérola. Em meio a isso, estão os interesses pessoais: a pianista quer a música para usar num concerto, pois, está sem inspiração (o piano jogado da janela por ela sozinha representaria a “força” da sua falta de criatividade); Já a empregada quer as jóias para ajudar a pagar o enterro da mãe.

A forma alegórica como Llosa, que vale dizer, vive na Europa, trabalha o tema é no mínimo cansada. É o típico registro habitual dos filmes latino-americanos que se pretendem grandiloqüentes em seu discurso. Todas as vezes que Fausta se sente em perigo, ela sangra pelo nariz. Ela simbolizaria o povo peruano, cingido entre o medo, na possibilidade da volta do terror, e o desejo de esquecer o passado e viver tempos melhores. A diretora também não se esquece de vender o país por seu lado pitoresco. Momentos turísticos são protagonizados pelos habitantes dos bairros pobres. A cantoria já citada, a cauda do vestido da filha, a mumificação da morta, os casamentos com músicos e dançarinos peculiares, os caixões estilizados, a piscina que antes era para ser a cova da mãe da protagonista. Juntem-se a isso alguns planos “espertos”, mas nada significativos, da diretora como Fausta e o tio marcados milimetricamente por um X no quadro, e o vestido de noiva que se encaixa perfeitamente na mãe posta debaixo da cama, além das cores vivas da bela fotografia do filme, num registro quase documental.

No final das contas, a narrativa parece estar a meio termo do que há de mais válido no cinema latino: temos a intimidade, o cotidiano do personagem, como nas historias de maior vigor no cinema atual e, ao mesmo tempo, esse mesmo personagem serve de alegoria da nação, caracterização muito mais próxima do cinema praticado nos anos 1960. E a alegoria da batata? Melhor a se dizer sobre ela é que por fim, foi removida do corpo da pobre Fausta. De qualquer forma, o filme foi o vencedor do Urso de Ouro no festival de Berlim em 2009. “Ao vencedor, as batatas”.

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