quinta-feira, 24 de junho de 2010

MACHUCA (2004) – Andrés Wood, por Amanda Beçça


Dirigido por Andrés Wood, "Machuca" é um filme de 2004 que concorreu junto a Olga, o brasileiro de Jayme Monjardin, aos indicados para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Interessante observar que logo Olga e Machuca foram no mesmo ano enfrentar a mesma categoria de caráter mundial, pois além de fazerem dos seus personagens, título, contam a história de épocas em que a efervescência política em seus países (Brasil e Chile, respectivamente) estava a mil: "Olga" com a ditadura getulista e "Machuca" com o período de transição entre o governo Allende para a ditadura Pinochet. Ainda que tão comuns entre si, os dois filmes resolvem abordar temas quase-comuns de maneiras altamente diferentes. Para começar, Machuca, ao contrário de Olga, não é histórico e aborda um olhar infantil sobre a política. – neste ponto, é até mais cabível tentar comparar o chileno com "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias".

Comparações a parte, o filme de Andrés Wood nos conta a história de uma amizade inesperada entre um menino de classe rica, Gonzalo, com outro de classe pobre, Pedro Machuca; com o pano de fundo no ano de 1973 – um dos mais importantes da história chilena. A vontade do diretor-roteirista era de fazer uma obra política, mas não tentando retratar uma época, e sim fotografar. Numa fotografia, se acrescenta um tom pessoal à foto. No caso de Machuca, Wood dá um olhar subjetivo ao ano de 73 – até mesmo “q’s” autobiográficos são introduzidos: Gonzalo, assim como ele na infância, estuda num colégio britânico para garotos coordenado por um padre, padre McEnroe, que tem o objetivo de ajudar na difusão das classes sociais ao matricular meninos da periferia em sua escola de elite.

O filme é facilmente aceito e interpretado por qualquer pessoa, mesmo quem não conhece a história do Chile, afinal, se trata mais de sentimentos do que ideologia. Vemos exibidos cartazes, anúncios, pixações e passeatas que nos mantém acompanhando os acontecimentos do ano, há todas as características essenciais da época – por exemplo, a favela onde Pedro Machuca mora é a representação das ocupações territoriais muito freqüentes no governo de Allende – e ainda assim, apesar de ser totalmente alimentado por esse fervor político, o filme retrata o tema da amizade entre um rico e um pobre, e não entre um direitista e um esquerdista. Ou seja, um tema humano num ambiente político.

Como se trocassem figurinhas em um álbum, os dois meninos trocam vivências um do mundo do outro sem nem se darem conta. Gonzalo descobre o que é ter que trabalhar duro para ter comida em casa e Pedro tem acesso a histórias em quadrinhos de Zorro e tênis da Adidas. Enquanto o muro ainda exibe “Viva la Revolución” a mistura entre as peras com as maçãs acontece de forma inocente e natural.

Com o passar dos meses de 1973, vão se passando os minutos de Machuca: o espectador percebe a crise política aumentar acompanhando junto aos personagens os noticiários da televisão. Vai se tornando cada vez mais difícil para os dois meninos manter uma amizade sem que ninguém tenha algo contra a comentar, seja enfrentando brigas e bullying no colégio, seja tendo que ouvir os xingamentos de Silvana ou do namorado da irmã de Gonzalo. Mas isso não é nenhum problema para os meninos até o momento em que “Viva la Revolución” é trocado por “VivA la Guerra Civil”.

“Quando um branco vai ser amigo de um índio?” a pergunta de Silvana se refere a Zorro, mas não demora muito para um tio bêbado chegar jogando uma profecia no branco e no índio do mundo real. Os meninos não acreditam, mas no fim é isso mesmo o que acontece. Quem sabe, sabe. Os militares terminam por conseguir implantar uma ditadura no Chile, e é até ela aonde chega o filme. Propositalmente é até ela aonde chega a amizade dos dois meninos. Os conflitos ultrapassam o incômodo que algumas pessoas têm na amizade dos dois, se tornam efetivamente entre classes e terminam por colocar Pedro e Gonzalo nos seus respectivos lados do rio. A esta altura, o muro já não diz mais nada, está vazio.

A difusão de classes se perde na ditadura. E não só isso. Todos se perdem. Se os dois se tratavam como igual no começo, reconhecem que vivem realidades diferentes. Gonzalo sofre com as óbvias mudanças que estão acontecendo, mas nada que se compare ao que Pedro tem que sofrer. Afinal “os culpados são sempre os mesmos, assim como tem que ser, e ninguém os culpará por perpetuarem esta história” E muito menos culparão Andrés Wood por este belíssimo filme.

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