quinta-feira, 24 de junho de 2010

"E sua mãe também", por Luciano Monteiro


Na cinematografia latino-americana recente vimos surgir novas vozes que nos mostram não apenas a nossa atual conjuntura política, antropológica, social e cultural de nossa condição como latinos, como também uma revisão e reflexão a respeito de quem nós éramos, de onde viemos e para onde possivelmente iremos. Realizadores como Walter Salles, Iñarritu, entre outros, tem enchido nosso olhos de nós mesmos, com belas estórias que centram num olhar mais humanista e pessoal. Hoje o cinema latino americano busca estórias centradas em personagens individuais, ao contrário dos filmes do cinema novo ou do terceiro cinema que possuíam uma predileção pelo coletivo sobre o individual.

Alfonso Cuaron é um desses cineastas. Munido de poucos recursos, doses infinitas de paixão e determinação e uma vontade gigantesca de contar estórias o realizador mexicano nos apresenta, nesse belíssimo ..."E sua Mãe Também" é um exemplar perfeito de poesia cinematográfica, em uma dose mais que equilibrada de arte e entretenimento. Aqui o individual se sobrepõe abertamente sobre o coletivo e tal abordagem é única, criativa e possui sua razão de ser.

O ponto de partida do filme é aparentemente bobo e sem grandes promessas. Tenoch e Julio, dois jovens amigos em plena efervescência de seus desejos sexuais e de aventuras pouco ortodoxas fazem viagem através do México e levam consigo,Luisa, mulher mais velha e madura decepcionada com as infidelidades do marido. Juntos rumam em direção à costa mexicana, em busca de uma praia mítica. Obviamente que essa premissa é apenas um pretexto para tudo o que vem a seguir, ao longo da viagem. Essa jornada física nada mais é que pura alegoria na qual a jornada pessoal que cada personagem fará. Entre umas decepções e outras os personagens se revelam. Descobertas, bebedeiras e aventuras servem para mostrar, de forma sutil e genial, ao fundo, personagens secundários tão ricos, fascinantes e representantes da cultura mexicana e latina, quanto os três protagonistas. Ambulantes, pedintes, sem terra que sofrem ameaças de patrulhas do exército. A maneira como Cuaron as retrata é, sem sombra de dúvida, o que há de mais tocante no filme, sendo seu grande trunfo. Pessoas invisíveis ao nosso olhar de espectador, tanto nas telas quanto no nosso dia-a-dia são transeuntes que passam diante da câmera e tem suas estórias reveladas por uma narração pontual e sensivelmente posta. Nos revela o passado, o presente e o futuro destes meros figurantes. Os protagonistas, como nós, são meros espectadores alienados, mais preocupados pelos mesquinhos desejos de prazer do que o mundo a sua volta e que nunca se detêm a respeito destes cidadãos pequeninos, coadjuvantes da nossa existência latina.

Se hoje o cinema mundial procura o individual, Cuaron parece buscar, em "...E Sua Mãe Também" também uma reflexão sobre o fato de que hoje, num mundo dominado pelo neoliberalismo e pela livre concorrência, que não podemos esquecer o coletivo. Coletivo este constituído por seres individuais, esquecidos, invisíveis a olho nu e apenas vistos pelas lentes de um cineasta com a grandeza e sensibilidade de Cuaron.

Nenhum comentário:

Postar um comentário