sábado, 25 de junho de 2011

Impressões de realidade, por Mariana Bernardo


O Pagador de Promessas (1962), um filme de Anselmo Duarte, recebeu de mais de trinta prêmios em festivais internacionais, dentre eles a Palma de Ouro do Festival de Cannes, onde concorreu com filmes dos diretores Buñuel, Bresson, Antonioni e Felinni. Mas o que pôde dar tanta notoriedade a esse filme? Nesse pequeno estudo tentaremos encontrar algumas das possíveis respostas.

Na crítica cinematográfica brasileira, com recorrência, O Pagador de promessas tem lugar como mais um filme de “estrutura direcionada apenas a conduzir ação destinada a imatar os espectadores pela emoção e pelo impacto frente à série de fatos ou acontecimentos narrados direta, linear e superficialmente.”, e ainda, segundo o mesmo autor “inclui-se na categoria do filme que visa o sucesso comercial, não passando de um espetáculo” (BILHARINHO, 2009, p. 101 e 102).

O filme conta a história do agricultor Zé de burro, interpretado por Leonardo Vilar, na tentativa de pagar uma promessa feita a Santa Bárbara num terreiro de Candomblé junto a Iansã, que seria o Orixá que representa a santa da igreja católica no sincretismo religioso. Zé sai do interior da Bahia, junto com sua esposa Rosa (Glória Menezes) com uma cruz nos ombros para pagar a promessa que segundo ele, salvou a vida de seu burro. Tendo caminhado mais de sete léguas chega enfim à igreja, porém se depara com um padre de postura inflexível, que proíbe sua entrada na igreja alegando que o homem não é cristão, mas um devoto do diabo que está tentando cumprir uma promessa feita por um motivo torpe.

È possível observar muito dos costumes do Brasil, ainda que haja, mesmo com sutileza, a construção de estereótipos, de uma Bahia demasiadamente organizada e pessoas pobres muito bem vestidas. Personagens como o capoeirista preguiçoso e malandro, interpretado por Rocco Pitanga, da mocinha interiorana pura, e fácil de corromper, Rosa, que ao chegar à capital trai o marido e começa a se alimentar de novas ambições. O sincretismo religioso entra como discussão central, merecem atenção também, os traços de uma sociedade nordestina patriarcal e ainda a representação do cotidiano de uma capital nordestina.

Além da movimentação incomum do bairro da Igreja de Santa Bárbara, causada pela chegada de Zé do Burro, as baianas vendem seus acarajés na porta de igreja, o dono da bodega se informa de todos os acontecimentos da cidade sem sair do balcão, o cordelista, além de ganhar a vida com esse trabalho, utiliza sua poesia de cordel como escudo contra o poder da igreja representado pela figura prepotente do padre. Em meio a tudo, poucas mulheres com papéis representativos para a narrativa, raramente chamadas pelos nomes, e quase sempre subjugadas ao comando de homens. Quando Rosa tem a possibilidade de mudar de vida, sair do interior, se ver livre de acompanhar o marido em seus atos “insanos”, como os considera, é através da prostituição. Enquanto isso Bonitão (Geraldo Del Rey), o cafetão e Zé do Burro sempre dão as últimas palavras.

A partir da metade do filme há uma rede de pessoas desejando utilizar a imagem de Zé do Burro, a favor de si e de suas respectivas instituições, muitos passam a depender seus interesses da resolução desse impasse. Um jornalista a fim de tornar o fato um grande furo, divulga Zé do Burro como um comunista defensor da reforma agrária, mesmo que o sertanejo não saiba nem o que se trata, apenas doou metade de suas terras como parte do pagamento da promessa pela salvação de seu burro. Depois disso, políticos voltam os olhares a esse homem. O Arcebispo, dada a grande repercussão que ganha o fato, passa a se preocupar com o impacto que a decisão do padre pode causar, e trata de tomar o comando da situação. Bonitão tenta se aproveitar para convencer Rosa a ficar na capital. Não se pode dizer que o filme é monótono, sempre há alguma ação importante, ligada ao fato central da trama.

Sobre as técnicas utilizadas, não há grandes observações. A trilha sonora dialoga entre o clássico instrumental e o regional, altiva, grave quando deve. Funciona. Inclui valor dramático e enriquece a narrativa. Movimentos de câmera simples, muitos planos fechados. No momento da tomada da decisão pelos clérigos, se Zé do burro deve entrar ou não na igreja, por exemplo, a câmera acentua a hierarquia da instituição e as relações de poder. Essa câmera passa por todos à mesa, mas foca no senhor sentado à cabeceira, o Arcebispo, quem determinada a ação final, em seguida o jornal na sua mão se torna o jornal da mão de Bonitão através de uma rima visual. Um bom trabalho de roteiro e montagem.

O pagador de Promessas tem um discurso que pontua os poderes dominantes e mostra quão pretensiosas podem ser as mínimas ações dos representantes da imprensa, da igreja, políticos e patriarcas. Um enredo ao entorno da falta de espaço que detêm um sertanejo pobre, que se vale de seu sincretismo religioso, tão comum à cultura brasileira, ainda assim muito subjugado. E um desfecho tragicamente belo ao som de berimbaus. Considerando que nenhuma representação cinematográfica é capaz de representar verdadeiramente a realidade, apenas pode trazer em maior ou em menor escala impressões dessa realidade, o filme é coerente consigo em todo instante, e capaz de espelhar, de certa forma, a imagem do nordeste do Brasil no período.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÀFICA
BILHARINHO, Guido. O cinema brasileiro nos anos 50 e 60. Instituto Triangulino de Cultura. Uberaba, Brasil, 2009.

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