domingo, 30 de outubro de 2011

"A dama do cine Shangai", por Gabriela Miranda


O cinema brasileiro dos anos 80 é marcado por uma séria crise. Os exibidores começam a se revoltar contra a lei que os obriga a exibir filmes nacionais e, assim, a Embrafilme, sem verbas, para de financiar a produção, que sofre uma intensa redução. E, para sanar o que é inicialmente uma crise de público, as produções deveriam ser vendáveis, o que implica em mais pragmatismo e menos autorismo, subjetividade.

Logo, Guilherme de Almeida Prado não foi uma solução para a crise enfrentada pela cinematografia nacional nessa década. Ele parece fazer os filmes que gosta de ver, que tenham um comprometimento com sua cinefilia, cheios de referências a filmes clássicos. Em A Dama do Cine Shangai, especificamente, há referências a A Dama de Shangai, de Orson Welles, que é bem óbvia inclusive pelo nome do filme, e também a Psicose, de Hitchcock, na cena em que Maitê Proença aparece no chuveiro.
Narrativa e esteticamente o filme funciona como um pastiche do filme de gênero urbano, em especial os noir da década de 40 (a narração em off do personagem masculino, que conversa com o público, e a presença da femme fatale); embora o som dos sintetizadores na trilha sonora e os letreiros em neon entreguem a sua verdadeira década.

“(...) num filme B de Guilherme de Almeida Prado”. Essa frase, presente nos créditos finais, reflete a paixão do diretor pelo cinema B e, assim, traz a consciência da artificialidade. É como se a ausência de realismo/naturalismo no filme potencializasse a incerteza, a crueldade e a sensualidade que pairam nas suas situações.

Em A Dama do Cine Shangai há ainda uma certa homenagem ao cinema, o qual permeia grande parte da trama. “(...) e você, pensando em escapar da realidade, resolve ir ao cinema”: diz Lucas, personagem de Antônio Fagundes, logo no início; pouco depois vê-se o público numa sala de cinema antiga e ouve-se apenas o som que vem do filme que está sendo projetado. A história do filme projetado nesse cinema antecipa a própria trama do filme. São diversos os elementos que intensificam a relação entre a realidade e o imaginário, talvez até o trunfo desse imaginário sobre o real, como quando as situações se desenvolvem na mente do protagonista Lucas a partir do que é visto na tela do cinema.

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