domingo, 30 de outubro de 2011
Sobre Memórias do Subdesenvolvimento, de Tomáz Gutierrez Alea, por Débora Bittencourt
Numa Cuba pós-revolução, num clima de esperança para uns e descontentamento pra outros, o personagem Sergio é, impressionantemente, a personificação do desconforto com este e aquele, da indiferença total. Nisso, e também esteticamente, o filme cheira à Terra em Transe, de Glauber Rocha. Sendo que em Glauber a insanidade é levada tão a fundo que a perturbação gerada é bem mais latente que a sensibilidade reflexiva de Alea.
Assim, quando todas as pessoas com quem Sergio convivia fogem do país, ele permanece, não por acreditar em idéias comunistas, mas simplesmente por não acreditar em nada.
“De fato, nada mais vem vindo que um movimento histórico em que pareciam reunidos o antiimperialismo e o antistalinismo. Entretanto, por mais fundados que esses sentimentos fossem, será que abriam uma saída nova para a humanidade?” (Existe uma estética de terceiro mundo?, Roberto Schwarz)
A sensação que Sergio nos dá é de uma pessoa perdida. Perdida e sem a menor pretensão de se encontrar. Mesclando tempo e espaço em flashbacks e tomadas documentais, além do movimento cinemanovista da câmera, Alea constrói essa Cuba e esse mundo de Sergio de uma forma que, embora indiferentes um ao outro, ambos conseguem nos tocar.
O uso da alegoria contribui fortemente para essa construção. Os elementos são fragmentados, retirados do seu contexto funcional para ganhar um novo e único sentido. Aí se vem os gestos, os objetos, a disposição dos lugares em Havana ganharem vida própria.
“Não nos importa em definitivo refletir uma realidade, mas enriquecê-la, excitar a sensibilidade, desenvolvê-la, detectar um problema. Não queremos suavizar o desenvolvimento dialético mediante fórmulas e representações ideais, mas vitalizá-lo agressivamente, constituir uma premissa do desenvolvimento mesmo, com tudo o que significa de perturbação da tranqüilidade” (Alea, Revista Cine Cubano n° 45, 46. 1968)
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