sábado, 4 de junho de 2016

"Las Aventuras de Juan Quin Quín", por Alice Rue


Baseado na novela de Samuel Feijóo ,Juan Quin Quin em pueblo Mocho (1963), Las Aventuras de Juan Quin Quín conta as peripécias de Juan Quin Quin e o seu amigo Jachero. Para conseguir dinheiro, os  dois camponeses cubanos vão ter algumas extravagantes ocupações (cantores em coral, de toureiro, de artista circense, intérprete da paixão de Cristo, cortadores de cana-de-açúcar) para finalmente se juntar à luta contra a ditadura de Batista na Sierra Maestra. Trata-se, por conseguinte, de uma história de formação, que culmina com a tomada de consciência revolucionária.

 A estrutura do filme é episódica, e dentro da narração mesmo se alternaram duas etapas distintas: as diversas aventuras que efetuarão a tomada de consciência do protagonista; e o momento onde Juan Quin Quin é um líder revolucionário que combate na montanha. Nessa etapa, o personagem é caracterizado pelos traços típicos do herói revolucionário cubano: barba longa e fuzil ao ombro. Alterando assim a ordem cronológica, o diretor chegou a quebrar a maneira tradicional de tornar conta do processo de tomada de consciência de um personagem.

No momento em que realizou Las Aventuras de Juan Quin Quín García-Espinosa era Vice-Presidente do ICAIC – instituição que tivesse contribuído para fundar – e diretor do departamento de Programação artístico do Instituto.  Com esse filme, o diretor cubano afirmou a ruptura dele com o neorrealismo italiano (presente nos primeiros filmes dele) e o  interesse dele para a experimentação de novas formas cinematográficas. O filme tem, por conseguinte, uma espécie de valor iniciático para o diretor mesmo.  Embora seja impossível negar a importância que teve o neorrealismo no desenvolvimento do cinema cubano post- revolucionário, afirma que seria a superação desta referência que permitirá ao cinema de ficção cubano encontrar os seus próprios traços expressivos.

Essa autonomia é proclamada através os personagens  arquetípicos da tradição romesca  ibero-americana, comédia de tradições populares profundamente enraizada na América Latina. O desejo aproximar-se de um público popular e numeroso, através de uma realidade social e dos imaginários coletivos populares é uma das características fundamentais dos filmes de García-Espinosa. ). Las Aventuras de Juan Quin Quín segue esta estética: utilizar um tipo ligeiro como estratégia narrativa para expor um pensamento profundo sobre o processo revolucionário cubano e as convenções estilísticas do cinema industrial dominante.

Os padrões técnicos de Las Aventuras de Juan Quin Quín se aproximam do cinema hollywoodiano: foi filmado em 35 mm, formato cinemascope – preto e branco por razões econômicas – e dura 110 minutos. Mas esse filme mostrou um modo revolucionário, através da experimentação formal, caracterizada pela ruptura das estruturas narrativas. García-Espinosa não tenta copiar os tipos cinematográficos de Hollywood, mas antes de estabelecer um diálogo crítico com estes, onde a oposição às estruturas e os códigos narrativos tradicionais manifesta-se às vezes através da ironia e a paródia de tipo “aventura”. Assim, ele convida o espectador a olhar o filme diferentemente de um filme tradicional.  O diretor utiliza uma série de métodos de caráter brechtiano e esticando até obter um efeito de distanciamento  que permitiria, de acordo com a cineasta, “de activar el espíritu crítico del espectador” e “despertar su inteligencia”, criando assim um "público-inventor".

 Esse filme é a história de um herói essencial, alegoria da força revolucionária, mas apresentado através de formas “menores” que são a comédia e o cinema de aventura. Em ruptura total com a seriedade que até então tivesse caracterizado a temática da revolução cubana, o filme provocou fortes debates no ICAIC,  mas o filme saiu o 12 de fevereiro de 1968 e o seu sucesso foi maior que previsto : foi, durante mais de vinte anos, o filme mais visto da história do cinema cubano, que se explica em parte pela maneira lúdica que o filme propunha revisitar criticamente o cinema de tipo, e pela revalorização da identidade do guajiro (camponês cubano). Assim o espectador do filme esta em cumplicidade, evitando o risco de mistificação do herói revolucionário que emerge do povo cubano mesmo.

Os dois anos e cerca de que separam a realização de Las Aventuras de Juan Quin Quín e a escrita de Por um cine imperfecto (1970), foram fundamentais para a maturação das ideias de García-Espinosa sobre o cinema popular. De acordo com ele, a consolidação das obras cinematográficas da América Latina e o Terceiro mundo deverá necessariamente passar por uma dinâmica de ensaios e de erros, inerente à qualquer desenvolvimento. É preferível aceitar e assumir certa “imperfeição” técnica antes de permanecer paralisado numa tentativa de atingir o grau de virtuosismo do cinema de Hollywood ou as cinematografias da Europa ocidental, cujos orçamentos são inatingíveis para os cinemas latino-americanos. Priorizar a qualidade técnica em detrimento da urgência e da impaciência criativas é uma atitude que ele considera deslocada da preocupação para a realidade social latino-americana e, consequentemente, reacionária. É precisamente essa capacidade do cinema, ligada ao seu caráter de arte e espetáculo de massa, que García-Espinosa tenta pôr em relevo pelo manifesto Por um cine imperfecto e Las Aventuras de Juan Quin Quín .

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