sábado, 4 de junho de 2016

"Soy Cuba", por Gabriella Soares do Nascimento


Em 1962, quase dois anos após a criação do ICAIC(Instituto Cubano de Arte e Cinematográfico), a equipe soviética comandada pelo o diretor russo Mikhail Kalatozov desembarga nas terras quentes onde aconteceu a primeira Revolução Socialista da América Latina. Soy Cuba, uma produção entre o governo russo e cubano seria um panfleto cinematográfico da revolução. Ousadia, expectativa e responsabilidade marcaram a passagem das/dos companheiros(as) soviéticos pelas terras cubanas.

Instigados por um desejo de descoberta e entusiasmados pela missão de sintetizar Cuba em quase 2 horas e meia de filme. Soy Cuba selou uma amizade cinematográfica das lentes poéticas do diretor de fotografia Serguei Urusevski e Kalatozov, juntos mergulham e navegam pelo o que viria ser Cuba. A voz feminina em off anuncia: "[...] Meu açúcar, seus braços levaram. Minhas lágrimas, eles deixaram. Que estranha coisa é o açúcar, Sr. Colombo. Ele contém muitas lágrimas e, ainda assim, é doce." E foi através do açúcar que Urusevski quis sintetizar Cuba. Com uma fotografia cristalizada e quente, o poder imagético de Soy Cuba surpreende qualquer pessoa. Para captar tais imagens, o diretor de fotografia contou com um equipamento negativo e infravermelho, naquela época era de uso exclusivo do governo soviético. Para obter os resultados belíssimos, a produção de Soy Cuba investiu, também, na iluminação. Cada plano foi milimetricamente pensado. Mais tarde, com o lançamento do filme, alguns críticos afirmavam que Soy Cuba era um trabalho autoral de Urusevski. Motivo: para eles, a forma tinha ultrapassado o conteúdo, e a fotografia tinha abafado todas as outras ramificações da obra.

Sejamos honestos, Soy Cuba é um filme milimetricamente pensando em todos os aspectos. Pela parte de Kalatozov é incrível o manuseio que o diretor faz com cada plano sequência. Aliás, vários planos sequências presentes em Soy Cuba e todos com uma dificuldade enorme de execução. Além disso, a escolha dos enquadramentos caiu muito bem com a proposta de Kalatozov. A cena mais emblemática que resume toda a dedicação de Kalatozov ao filme, é o enterro do estudante Enrique. Um plano sequência onde a câmera flutua pela multidão, pela a bandeira erguida de Cuba pelos os trabalhadores de uma fábrica de tabaco, mostrando o que era ser cubano naquele momento.

A grande frustração daqueles que esperavam o filme, tem nome: o roteiro. Para os espectadores cubanos e soviéticos, a narrativa não apresentava a instiga da Revolução. Eles esperavam panfletos declamados e Kalatozov põe isso de forma poética. Soy Cuba é divido em quatro contos, não há protagonistas, inspirados pelo o realismo socialismo, todos eram protagonistas. Apesar disso, como não se identificar com aqueles personagens. Como não olhar para Maria, uma negra periférica latinoamericana, e não se ver ali na tela? Como não sentir a sede de mudança de Enrique, um jovem acadêmico e revolucionário. Como não lembrar do Nordeste açucareiro com Pedro e sua família. Como não ser Cuba diante de tantas semelhanças?

Infelizmente, os dois exaustivos anos em que Kalatozov e sua equipe se dedicou a produção, caiu no esquecimento logo após o lançamento do filme. Soy Cuba foi visto como um desastre, o filme passou uma semana apenas em exibição. Toda aquela beleza tinha sido arquivada, quando por uma mera e feliz ironia do destino, dois norteamericanos a resgataram. Coppola e Scorsese redescobriram Soy Cuba após uma viagem a Rússia. O filme depois de anos caído no esquecimento, é vangloriado pela critica cinematográfica. A grande lamentação é que Kalatozov não estava mais presente para ver o sucesso do filme. No mais, esta bela obra sempre nos trará o questionamento do que é ser Cuba e quem é Cuba. Nós somos Cuba, nós somos latinoamericanos

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