sábado, 4 de junho de 2016

"Crónica de un niño solo", por Brenda Souza Ramos

Em um poético e tocante drama social, Leonardo Favio nos mostra a infância

marginal na Argentina dos anos 60. Considerado um filme de destaque do Cine Nuevo

argentino, sua obra foi dedicada a Leopoldo Torre Nilsson, seu mentor e renomado

diretor.
 

A película autobiográfica de Favio nos apresenta às experiências de Polín –

interpretado prodigiosamente por Diego Puente – um garoto de onze anos, que vive em

um reformatório sofrendo constantes castigos por sua indisciplina. Tratados como

adultos num regime de reclusão e trabalho, Polín e seus colegas ensejam se portar

como tal e, na maior parte do filme, vemos estes pré-adolescentes fumando tabaco às

escondidas. Com suas infâncias usurpadas, os garotos são lançados a uma rotina

austera e entediante, como na cena em que as crianças “brincam” no salão, soprando

bolinha repetidamente, jogando bola contra parede, prostrados no chão.

 
Aparentemente, a principal diversão destes meninos é armar brigas no banheiro, nas

quais Polín se envolve. Em busca de uma suposta liberdade, Polín trama fugir desta

genuína prisão, até que finalmente consegue. Entretanto, ele continua fadado à

marginalidade e pobreza da favela, tendo que se comportar, mais uma vez, como um

adulto dono de si, pois seus familiares pouco fazem por ele, e é nos pequenos furtos e

fumo que ele encontra seu contentamento. Mas sim, ainda é possível ver no garoto

uma centelha de esperança e infância, quando diferentemente dos outros “homens” e

inocentemente, não demonstra maiores pretensões com mulheres, naquele momento,

seu maior desejo era um cavalo, talvez enxergasse nele uma saída, uma possibilidade

de libertação, e o vemos então cantando e caminhando ao lado do animal, Polín é feliz,

mas não por muito tempo.

 
Na Argentina, o filme foi proibido e permaneceu suspenso durante mais de trinta

anos por denunciar o falido, violento, corrupto e fascista sistema educacional do

governo, expondo de maneira crua a realidade dos infantos neste. Outro motivo para a

censura: as prolongadas cenas de nudez infantil que o longa mostra, sem receio.

Dentre os aspectos formais, planos que enfatizam grades, clausura. Uma

iluminação e jogo de sombras peculiares que, na primeira parte do filme, enfatizam a

obscuridade do reformatório e, na segunda parte, se abrem em campestre fotografia da

estrada, do rio, da natureza, dos animais silvestres gozando da liberdade que, por um

momento, também é concedida a Polín.

 
Numa decupagem arrojada, Favio se permite a longas cenas como na fuga de

Polín, na qual o tempo fílmico praticamente se equivale ao tempo real. A câmera alta

sobre os garotos e a câmera baixa em seus superiores imprimem o preceito da relação

entre eles.

 
A trilha sonora, por sua vez, se resume a melodias de mesmo tom em quatro

significativas cenas: no início, apresentando ao espectador o regime a qual os meninos

são submetidos; um trecho ainda no começo, no qual apenas meia dúzia de mães

comparece à visita regular do reformatório; outro trecho próximo ao final, quando Polín

vai ao encontro do amigo violentado; e na sequência final, em que o protagonista olha

para a câmera, e para nós, como quem diz: “Você vai continuar assistindo

passivamente?”.


 


Crónica de un niño solo vai além. Embora seja um filme realizado há mais de cinquenta

anos, seu âmago é mais que atual: quantos são os Políns de hoje na America Latina?

Não os que estão necessariamente presos em reformatórios, mas encarcerados numa

situação de exclusão e de infância perdida, para os quais o significado da palavra

criança perdeu total sentido

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