Em um poético e tocante drama social, Leonardo Favio nos mostra a infância
marginal na Argentina dos anos 60. Considerado um filme de destaque do Cine Nuevo
argentino, sua obra foi dedicada a Leopoldo Torre Nilsson, seu mentor e renomado
diretor.
A película autobiográfica de Favio nos apresenta às experiências de Polín –
interpretado prodigiosamente por Diego Puente – um garoto de onze anos, que vive em
um reformatório sofrendo constantes castigos por sua indisciplina. Tratados como
adultos num regime de reclusão e trabalho, Polín e seus colegas ensejam se portar
como tal e, na maior parte do filme, vemos estes pré-adolescentes fumando tabaco às
escondidas. Com suas infâncias usurpadas, os garotos são lançados a uma rotina
austera e entediante, como na cena em que as crianças “brincam” no salão, soprando
bolinha repetidamente, jogando bola contra parede, prostrados no chão.
Aparentemente, a principal diversão destes meninos é armar brigas no banheiro, nas
quais Polín se envolve. Em busca de uma suposta liberdade, Polín trama fugir desta
genuína prisão, até que finalmente consegue. Entretanto, ele continua fadado à
marginalidade e pobreza da favela, tendo que se comportar, mais uma vez, como um
adulto dono de si, pois seus familiares pouco fazem por ele, e é nos pequenos furtos e
fumo que ele encontra seu contentamento. Mas sim, ainda é possível ver no garoto
uma centelha de esperança e infância, quando diferentemente dos outros “homens” e
inocentemente, não demonstra maiores pretensões com mulheres, naquele momento,
seu maior desejo era um cavalo, talvez enxergasse nele uma saída, uma possibilidade
de libertação, e o vemos então cantando e caminhando ao lado do animal, Polín é feliz,
mas não por muito tempo.
Na Argentina, o filme foi proibido e permaneceu suspenso durante mais de trinta
anos por denunciar o falido, violento, corrupto e fascista sistema educacional do
governo, expondo de maneira crua a realidade dos infantos neste. Outro motivo para a
censura: as prolongadas cenas de nudez infantil que o longa mostra, sem receio.
Dentre os aspectos formais, planos que enfatizam grades, clausura. Uma
iluminação e jogo de sombras peculiares que, na primeira parte do filme, enfatizam a
obscuridade do reformatório e, na segunda parte, se abrem em campestre fotografia da
estrada, do rio, da natureza, dos animais silvestres gozando da liberdade que, por um
momento, também é concedida a Polín.
Numa decupagem arrojada, Favio se permite a longas cenas como na fuga de
Polín, na qual o tempo fílmico praticamente se equivale ao tempo real. A câmera alta
sobre os garotos e a câmera baixa em seus superiores imprimem o preceito da relação
entre eles.
A trilha sonora, por sua vez, se resume a melodias de mesmo tom em quatro
significativas cenas: no início, apresentando ao espectador o regime a qual os meninos
são submetidos; um trecho ainda no começo, no qual apenas meia dúzia de mães
comparece à visita regular do reformatório; outro trecho próximo ao final, quando Polín
vai ao encontro do amigo violentado; e na sequência final, em que o protagonista olha
para a câmera, e para nós, como quem diz: “Você vai continuar assistindo
passivamente?”.
Crónica de un niño solo vai além. Embora seja um filme realizado há mais de cinquenta
anos, seu âmago é mais que atual: quantos são os Políns de hoje na America Latina?
Não os que estão necessariamente presos em reformatórios, mas encarcerados numa
situação de exclusão e de infância perdida, para os quais o significado da palavra
criança perdeu total sentido
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