sábado, 4 de junho de 2016

"Deus e o diabo na terra do sol", por Fernanda Misao


 
O filme Deus e o Diabo na Terra do Sol lançado em 1964, um filme escrito, produzido e dirigido por Glauber Rocha, cineasta baiano, que retrata bem a estética do Cinema Novo, um movimento cinematográfico brasileiro que visava quebrar com os padrões estéticos europeus e Hollywoodianos e criar algo genuinamente brasileiro. Surge como um movimento político e cultural que mostrava a realidade brasileira de forma crua e original.

Deus e o Diabo na terra do Sol é um bom exemplo dessa estética, pois já no início temos a frase de Glauber que diz “Vou contar uma estória. Na verdade e imaginação. Abra bem os seus olhos. Pra escutar com atenção. É coisa de Deus e Diabo. Lá nos confins do sertão.” que além de retratar o conteúdo do filme, exalta também a ideia política do cinema novo, retratar uma identidade cultural brasileira. O filme que conta a história de um casal nordestino, Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães) que representam a realidade das famílias sertanejas, pessoas pobres que vivem em situações de miséria, injustiça e fome, mas que não perdem a esperança de uma vida melhor. Manuel tem um desentendimento com um coronel pra quem trabalha e acaba por assassina-lo e durante sua fuga, ele e sua esposa, se veem a mercê do pregador Sebastião. Enquanto Rosa representa a “razão”, pois é ela quem puxa Manuel de suas crises de insanidade pra realidade, Sebastião representa na trama o fervor e fundamentalismo religioso a que os desesperados estão sujeitos, pois na falta da esperança e na miséria as palavras de conforto do beato são a luz no fim do túnel e vão à busca da “terra prometida”, representado no filme pelo mar e que é a metáfora do êxodo para as grandes cidades, Rio de Janeiro e São Paulo em busca de uma vida melhor. Além disso, temos figuras que representam também o Estado por meio dos coronéis que são os representantes políticos e que controlavam as regiões e não se importavam com a situação de pobreza dos nordestinos. É nesse contexto que surge o personagem Antônio das Mortes (Maurício do Valle), jagunço que é o braço armado de um coronel e que resolve tudo na violência. A figura de Corisco é dos cangaceiros que por vezes eram o contraponto aos coronéis e que é mais um forte elemento de cultura nordestina. O filme é cheio de metáforas poéticas pra realidade do povo.

Contando com uma fotografia toda em preto e branco que aumenta a dramaticidade da película, exaltando assim todo o sofrimento vivido pelos nordestinos. A trilha sonora também é parte viva e importante, pois são feitas com vários cordéis escritos pelo próprio Glauber que as vezes funcionam como uma reiteração do que acontece em cena, outras vezes a trilha é composta por composições de Villa-Lobos que aumentam ainda mais a dramaticidade em cena. Com uma montagem e cortes quase experimentais e um inteligente uso dos ângulos de câmera mostram como Glauber sabia trabalhar com as limitações de recurso cenográficos da época – exemplo das cenas de apunhalamento – com uma atuação por vezes naturalista e por vezes teatral, funcionam bem no contexto da historia compõe a mise-en-scène de Deus e o Diabo na Terra do Sol.

Todos esses elementos tornam Deus e o Diabo na Terra do Sol um ótimo representante do Cinema Novo e apesar das cinco décadas de existência, o filme ainda retrata bem a dura realidade do nordestino nos tempos atuais, mostrando que mesmo que as técnicas cinematográficas tenham mudado a realidade do sertanejo não evoluiu tanto.

 

REFERÊNCIAS

XAVIER, Ismail. Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Brasiliense, 1983. 171p. : il.

SANTOS, Tito Eugênio Souza. Entre o mar e o sertão: uma análise da narrativa de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” disponível em

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