sábado, 4 de junho de 2016

“Yawar Mallku”(1969): Jorge Sanjinés e a construção de um cinema latino-americano rebelde, por Rannier Venâncio de Asevedo Silva




Acho que o primeiro fato histórico relevante a ser levantado para começar a dissertar sobre esse grande filme, é que anos antes morreu em terras Bolivianas o grande guerrilheiro Latino-americano Ernesto Guevara de la Serna, dando início a uma nova construção revolucionária na Bolívia, o que é completamente defendido pelo filme.

Yamar Mallku ou Sangue de Condor, como se vê na maioria das traduções, vem para colocar situações da materialidade vivida por Sociedades Indígenas nas regiões andinas perto da cidade de La Paz. O filme gira em torno de uma grande discussão crítica estrutural da situação dos Estados Unidos em relação à América Latina, econômica e culturalmente. Com uma rebeldia muito grande o diretor vai mostrar seu ponto de vista extremamente revolucionário, impulsionando a cada cena mas críticas a forma como acontecem as desigualdades sociais, e colocando questões essencialmente vividas por indígenas, como é a grande proposta do diretor durante quase toda a sua obra.
O enredo se passa na vida de dois irmãos e a mulher de um deles. Os dois ficam como dois "tipos" de histórias, formando como um dualismo. Um é líder político na sociedade indígena tradicional ao qual vive, e o outro é empregado de uma indústria, proletário urbano. A mulher é casada com o líder político da sociedade indígena, e esta na pior situação do enredo, pois perde seus 3 filhos, e recebe a informação de um conselheiro espiritual de que não poderá ter mais filhos. E começa ai, numa cena de angústia que se questiona a intromissão dos filantropos estadunidenses em sua comunidade em relação à chegada dessa doença infecciosa que matou os filhos dos indígenas e o que estava deixando suas mulheres inférteis em relação a ter mais filhos.

E então o filme vira-se para essa questão: a causa das mortes dos filhos e a esterilização das mulheres da comunidade esta completamente associada a chegada da "ajuda" de norte-americanos que implantaram uma maternidade para atender as mulheres da comunidade prometendo-as tratamento saudável, para contribuir com o seu "desenvolvimento", como é abordado na cena da entrega de roupas feita pelos norte-americanos aos indígenas, cena rebelde diria. A partir dai o desenrolar e ruim para esses 3 indígenas. O líder político, como não apoiava a vinda e o trabalho desses gringos na comunidade, descobre e arma a morte dos norte-americanos, o que leva à sua morte efetivada pela polícia que funciona no filme como reguladora e legitimadora dos gringos. O outro irmão da cidade esta na questão em segundo plano: ajudar o outro, líder político, baleado pelos policiais de sua comunidade, a conseguir sangue num hospital em La Paz para ser operado.

Um comentário recorrente, e que para mim funcionou bem, porém bem criticado, foi a linha temporal do filme, indo para o passado e presente tranquilamente. Essa foi uma das únicas críticas mais recorrentes levantadas em torno desse filme. Segundo alguns indígenas essa linha de tempo atrapalhava no entendimento do filme por alguns. Essas são questões que Sanjinés vai levantar muito bem, pois a partir daí ele inicia o trabalho em torno de "filmar com o povo".

Jorge Sanjinés "es quizá el director de cine más importante de Bolivia, sus trabajos de fuerte contenido político han sido reconocidos en todo el mundo y em nuestro país se han convertido en proclamas de aquellos que en épocas de ditadura fueron callados."(OPORTO). Esse diretor se destaca em vários aspectos cinematográficos, mas todos eles de um aspecto político revolucionário e rebelde muito forte. Atento muito mais para a questão da construção e do fortalecimento da Guerrilha Armada na Bolívia, e que ela tinha que ser essencialmente indígena, ai voltamos lá para o começo da resenha pensando no Che.

Em todo filme vemos concepções marxistas em jogo, como a cena da espera do irmão que vive na cidade para falar com um médico em um Jockey Club para brancos e ricos em La Paz. Mas o diretor não se prende em demagogias ou faz panfletagem, ele indica um caminho revolucionário no filme, muito claro: o caminho da luta armada. A cena da morte dos gringos pela revolta da comunidade na certeza dos acontecimentos, é como um "clip movie" de bandas norte-americanas ao som de rock e muita dança...

O filme mexe com o espírito revolucionário do espectador, e mexe bem. Ele desenvolve senso crítico em relação a situação dos indígenas e campesinos latino-americanos. Uma situação retratada por um filme em 1969 se retrata novamente no Brasil em 2013 quando policiais matam o camponês Cleomar da LCP (Liga dos Camponeses Pobres), em Rondônia. O clima que fica ao final é otimista, com armas nos punhos para cima, com céu de fundo, indicando a liberdade à partir da luta revolucionária armada.

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