“Não é o medo da
loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação.”
(André Breton)
“Quando chegares a Tar, compreenderás a vida e serás gato e fênix e
cisne e elefante e criança e velho, e estarás sozinho e acompanhado e amarás e
serás amado, e estarás aqui e lá e possuirás o selo dos selos e, à medida que o
futuro chegar, sentirás o êxtase te possuir para não te deixar nunca mais.”
(Trecho do Filme)
O chileno Jodorowsky com
certeza é o maior aprendiz dos surrealistas Luís Buñuel e Salvador Dalí. O
diretor chileno sempre foi ligado a culturas exóticas: escritor, diretor,
roteirista de quadrinhos, palhaço de circo, leitor de tarô, curandeiro. Morou
um tempo em Santiago, depois se mudou para o México, mas só foi se encontrar em
Paris, onde juntamente com o na época teatrólogo Fernando Arrabal fundou em
1963 o Grupo Pânico.
O roteiro original do filme Fando y Lis foi baseado em
uma peça de teatro de Fernando Arrabal. Nela, Fando, um garoto extremamente
ligado à sua mãe, um verdadeiro Édipo, vê seu pai republicano ser preso e
condenado à morte e posteriormente descobre que sua própria mãe denunciou seu
progenitor. Após tal descoberta, ele começa a luta para se desvincular de suas
origens.
`Partindo de várias
alterações propostas pelo trabalho conjunto de Arrabal e Jodorowsky, Fando y
Lis nos propõe uma fábula sobre dois jovens em busca de uma cidade
misteriosa denominada Tar, símbolo da felicidade, da vida, do amor. Operando por uma lógica distinta da convencionada pela
linearidade do realismo. O filme parece seguir uma linguagem de sonho, de
delírio, de mito e do poético. Se apresenta ele mesmo como um delírio
metafórico, que parece especular sobre a condição mental de Fando e Lis.
É para
tanto, uma nova concepção de linguagem abarcada pelo movimentos surrealista. É
uma concepção que aduz à propositura de uma nova linguagem libertadora dos
padrões até então associados às classes burguesas e racionais. É a
materialização em termos do que Breton viria a apontar como Automatismo
Psíquico.
Automatismo
psíquico puro por meio do qual propõe-se expressar,
seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o
funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo o
controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral
(BRETON, citado por Ponge, 1991)
Dentro da
relação das personagens, Lis é completamente dependente de Fando. O rapaz
sempre a carrega, sempre a leva para todos os lugares. Os problemas de
Lis não são as suas pernas paralisadas, mas um tipo generalizado de paralisia
emocional, manifestada em sua postura passiva, submissa como uma das bonecas
com as quais aparece brincando em algumas das cenas.
O recorte dado a esta condição, me
parece advir de uma das cenas retratadas onde Lis se
lembra de um episódio em que sofreu abuso sexual cometido pelos atores de um
teatro infantil. Um dos estupradores diz à pequena Lis que ela tinha “belas
pernas”. O que em seguuida, parece ativar o funcionamento de um mecanismo de
associação da situação de abuso às pernas, logo elas apareceriam inutilizadas
em sua representação mental de si própria.
Essa
passividade só é quebrada numa das últimas cenas em que ela reage ao comportamento
abusivo de Fando e quebra o tambor que ele carregava e desencadeia os eventos
que levam à conclusão do filme.
Todas as
figuras que Fando e Lis encontram ao longo do caminho (sejam elas “reais” ou
“imaginárias”) são perigosas, predatórias e querem algo deles, desde um médico
que implora para poder tirar sangue de Lis e bebê-lo até as figuras religiosas
que querem um pedaço dela em seu funeral. Fando e Lis estão absolutamente
sozinhos, não têm ninguém com quem possam contar senão um com o outro.
O arrastar
das almas desses dois personagens, só parece ter fim com a conformação da
morte, figura que é remetida em diversos momentos do filme em tom de libertação
e de finitude. Fando encerra com a vida de Lis num desencadeamento, onde
adiante, Jodorowsky, nos aremata numa belíssima cena última que se liga
diretamente a um ponto inicial da temporalidade do filme. Fando acompanhado de
um cachorro, vela Lis e por fim ceifa a sua própria vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário