sábado, 4 de junho de 2016

Fando, Lis y Jodorowsky, por Bruno Ribeiro de Melo


 
 
Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação.” (André Breton)

 

“Quando chegares a Tar, compreenderás a vida e serás gato e fênix e cisne e elefante e criança e velho, e estarás sozinho e acompanhado e amarás e serás amado, e estarás aqui e lá e possuirás o selo dos selos e, à medida que o futuro chegar, sentirás o êxtase te possuir para não te deixar nunca mais.” (Trecho do Filme)

 

           

            O chileno Jodorowsky com certeza é o maior aprendiz dos surrealistas Luís Buñuel e Salvador Dalí. O diretor chileno sempre foi ligado a culturas exóticas: escritor, diretor, roteirista de quadrinhos, palhaço de circo, leitor de tarô, curandeiro. Morou um tempo em Santiago, depois se mudou para o México, mas só foi se encontrar em Paris, onde juntamente com o na época teatrólogo Fernando Arrabal fundou em 1963 o Grupo Pânico.

 

            O roteiro original do filme Fando y Lis foi baseado em uma peça de teatro de Fernando Arrabal. Nela, Fando, um garoto extremamente ligado à sua mãe, um verdadeiro Édipo, vê seu pai republicano ser preso e condenado à morte e posteriormente descobre que sua própria mãe denunciou seu progenitor. Após tal descoberta, ele começa a luta para se desvincular de suas origens.

 

            `Partindo de várias alterações propostas pelo trabalho conjunto de Arrabal e Jodorowsky, Fando y Lis nos propõe uma fábula sobre dois jovens em busca de uma cidade misteriosa denominada Tar, símbolo da felicidade, da vida, do amor. Operando por uma lógica distinta da convencionada pela linearidade do realismo. O filme parece seguir uma linguagem de sonho, de delírio, de mito e do poético. Se apresenta ele mesmo como um delírio metafórico, que parece especular sobre a condição mental de Fando e Lis.

 

            É para tanto, uma nova concepção de linguagem abarcada pelo movimentos surrealista. É uma concepção que aduz à propositura de uma nova linguagem libertadora dos padrões até então associados às classes burguesas e racionais. É a materialização em termos do que Breton viria a apontar como Automatismo Psíquico.

        

Automatismo psíquico puro por meio do qual propõe-se expressar, seja verbalmente, seja por escrito, seja de qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, na ausência de todo o controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral (BRETON, citado por Ponge, 1991)

 

            Dentro da relação das personagens, Lis é completamente dependente de Fando. O rapaz sempre a carrega, sempre a leva para todos os lugares. Os problemas de Lis não são as suas pernas paralisadas, mas um tipo generalizado de paralisia emocional, manifestada em sua postura passiva, submissa como uma das bonecas com as quais aparece brincando em algumas das cenas.

 

            O recorte dado a esta condição, me parece advir de uma das cenas retratadas onde Lis se lembra de um episódio em que sofreu abuso sexual cometido pelos atores de um teatro infantil. Um dos estupradores diz à pequena Lis que ela tinha “belas pernas”. O que em seguuida, parece ativar o funcionamento de um mecanismo de associação da situação de abuso às pernas, logo elas apareceriam inutilizadas em sua representação mental de si própria.

           

            Essa passividade só é quebrada numa das últimas cenas em que ela reage ao comportamento abusivo de Fando e quebra o tambor que ele carregava e desencadeia os eventos que levam à conclusão do filme.

 

            Todas as figuras que Fando e Lis encontram ao longo do caminho (sejam elas “reais” ou “imaginárias”) são perigosas, predatórias e querem algo deles, desde um médico que implora para poder tirar sangue de Lis e bebê-lo até as figuras religiosas que querem um pedaço dela em seu funeral. Fando e Lis estão absolutamente sozinhos, não têm ninguém com quem possam contar senão um com o outro.

 

            O arrastar das almas desses dois personagens, só parece ter fim com a conformação da morte, figura que é remetida em diversos momentos do filme em tom de libertação e de finitude. Fando encerra com a vida de Lis num desencadeamento, onde adiante, Jodorowsky, nos aremata numa belíssima cena última que se liga diretamente a um ponto inicial da temporalidade do filme. Fando acompanhado de um cachorro, vela Lis e por fim ceifa a sua própria vida.

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