sábado, 4 de junho de 2016

"Vidas secas", por Lara Novais

 
 Uma família de retirantes, cruza o sertão nordestino em busca de uma vida melhor, fugindo de seu trágico destino assolado pela miséria, fome e a dura seca da região. Fabiano, sua esposa Sinhá Vitória, junto com seus dois filhos, o papagaio de estimação, e a fiel companheira da família, a cachorrinha Baleia, são os personagens que representam e simbolizam uma realidade brasileira dos anos 1940.  
Vidas Secas de Nelson Pereira dos Santos, é uma adaptação do livro homônimo de Graciano Ramos. O filme é um dos prógonos do Cinema Novo Brasileiro, movimento de teor revolucionário que procurava abordar, explanar e denunciar os problemas sociais eminentes no país, onde os sertões se tornam os principais cenários escolhidos pelos cineastas do movimento.

As escolhas desses espaços talvez sejam motivas, pela eficiência de representação de vários Brasis. No Sertão é possível representar o proprietário rico, os sertanejos subalternos mergulhados na miséria, e o cangaceiro como o rebelde. Por serem espaços fechados em si próprios, se torna de certa maneira, possível, reproduzir aquilo que acontece no país em geral, espaços que alegorizam o que seria o país como um todo, as diversas classes sociais, e as diversas tensões existentes, micro histórias que condensam uma representação maior.

O ambiente pano de fundo, é refletido nos movimentos e ângulos da câmera, com uma estética dura e seca. A maneira como Nelson Pereira do Santos enquadra sua câmera, faz com que a paisagem do sertão, acabe virando um outro personagem que também participa da ação. Logo na primeira cena, o plano geral mostra os personagens distantes, ao fundo, determinando sua posição de impotência diante do ambiente que se encontram.

Tomada pelo cansaço, fome e a falta de esperança, Sinhá Vitória mata o papagaio de estimação para alimentar sua família. O filme traça um lado positivo do bicho e um traço negativo do humano. A brutalidade das circunstâncias e do lugar, permite tomar decisões difíceis e frias, justificadas pela dureza da situação e pela emergência da necessidade de sobrevivência. O comentário que Sinhá Vitória faz sobre a insignificância e inutilidade do papagaio, é como se fosse, uma espécie de desculpa, de proteção, e defesa para enfrentar essa situação limite. O filme vai se construindo de forma que o espectador sinta mais simpatia por Baleia, do que até mesmo pelas crianças. Animaliza os humanos e humaniza os bichos.

Muitas vezes a câmera nos coloca na posição dos personagens, na perspectiva do personagem. Uma das cenas mais marcantes, tristes e pesadas do filme e porque não do cinema brasileiro, é a morte da cadela Baleia. Uma coisa rara no cinema, é a câmera subjetiva

do olhar da cadela, a câmera é colocada no ponto de vista de um animal. A decupagem, os enquadramentos, e a cena muito bem estruturada, nos permite criar uma empatia pela cadela e nos emocionar com a sua morte. É utilizado muitas vezes no filme, a projeção que se dar em nós, a partir do ponto de vista dos personagens.

A encenação dos atores é extremamente realista, não é exatamente naturalista, pois nesse há uma percepção de que se trata de uma encenação em busca da naturalidade, em que os atores tentam interpretar de maneira natural. Não é o que acontece em
Vidas Secas, aqui se tem uma interpretação neo-realista. Apesar de Fabiano, Sinhá Vitória, o fazendeiro, e parte do elenco, com exceção das crianças, serem representados por atores profissionais, vemos uma interpretação quase que documental, a impressão que passa, é que eles não estão interpretando, mas na verdade, são aquelas pessoas, que andam, falam, comem e vivem daquele jeito.

O filme foge do melodramático. Um exemplo é o momento em que eles encontram uma casa fechada. Sinhá Vitória e Fabiano, sentam-se em baixo de uma árvore, e por um momento se olham, porém, a situação é tão dura, cruel, e violenta, que até um gesto de afeto seria inadequado.

A forma como
Vidas Secas trabalha a questão sonora, é sempre realista e diegética. Todos os sons, músicas que se ouve do filme são diegéticos. Com exceção do início e do final, o som do carro de boi, quando não há um carro de boi em cena. Aqui Nelson Pereira trabalha o som, como uma indicação de um movimento perpétuo, dar o efeito pesado da repetição, da recorrência.
A sensação transmitida por um começo e um fim que se repetem, é uma ideia de desesperança, quando as coisas se iniciam e se findam de forma análoga, sugere uma percepção de coisas imutáveis, de um ciclo sem fim. A partir dessa perspectiva, é como se a história dos personagens, sempre se pautasse por um tema recomeço, esse eterno retomar do início, como se não houvesse, escapatória para essa sina, para esse destino não reconhecido, trágico e sem solução.

Como tantos outros filmes produzidos sob influência do movimento revolucionário do Cinema novo,
Vidas Secas se utiliza da aridez do sertão e denuncia a miséria, o sistema explorador, e as consequências absurdas da má distribuição de terra no Brasil.

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