domingo, 30 de outubro de 2011
"Copacabana de Jabor", por Heitor Dutra
Caberia um país em um bairro? Mesmo em Copacabana? Caberia talvez no hall do Copacabana Palace? Não falo da praia, nem da vista pras ilhas Cagarras, nem da antítese: O pavão e a princesinha. Também não é o apartamento de Nara Leão. Mas sim, caberia num apartamento, de classe média no Rio de Janeiro, um país? Jabor tenta enfiar lá dentro, o povo e a crise. Cabe no cinema um país?
A montagem da ópera tupiniquim começa cedo pra Juarez, mas ele não sabe. Por ser tão novo, e escrever com esperanças, trabalhar por hoje e amanhã. Mas o tempo veio, sem alarde e lentamente se aquietou. Juarez, já velho, com corpo de Paulo Gracindo lamenta o presente, um país falido, um povo ignorante, um desapego pelo nativo.
Elvira duvida da fidelidade de Juarez, que duvida da capacidade de seus filhos fazerem algo útil pelo Brasil, seus dois filhos, Regina Casé, da Central da Periferia, do Esquenta, da Tv Pirata e da Globo e Luis Fernando Guimarães, o "Normal", junto da filha de Elvira na vida real, a filha de Fernanda Montenegro. Aí está a juventude brasileira da classe média: Vera Lúcia "Casé" e José Roberto "Guimarães". Jovens fascinados pelo estrangeiro, pela língua inglesa e pelo gringo Peréio.
Elvira duvida da honestidade de suas duas empregadas, Aparecida de Fátima, a beata e Zezé, a Motta, cantora de Belchior e João Bosco. A montagem da ópera se adianta, a grande reforma finalmente desce das nuvens de sonhos de dona Elvira. Ai, finalmente, uma sala ampla, bem dividida e decorada de acordo com a moda do fim do governo Geisel, um milagre, no fim do milagre. A reforma galopa solta, como a inflação, com os pedreiros passando o dia naquele apartamento, a marmita é pobre, mas boa, para Elvira o povo é bom, o povo brasileiro é bom. O povo da marmita. O povo que reza, não estuda, trabalha, canta repente e desce dos morros toda manhã. E o povo que habita essas cavernas empilhadas, com vista para o mar, que estudaram, trabalham e se alienaram. O povo é bom, o povo é filmado, desde cinquenta e pouco, e antes. Humberto Mauro não o fez? Mário Peixoto filmou pessoas? Já dizia o intelectual: "Desde sessenta e quatro não se vê outra coisa, desde o golpe e um pouco antes se vê o povo verdadeiro na tela, o povo que luta, o povo do nordeste, do sertão pernambucano, do brejo da Paraíba, do centro da Bahia.O povo brasileiro mesmo. E não esse embuste, essa burguesia lascada, hipócrita, consumista". A burguesia parece só existir quando o maniqueísmo existe, e ela não é a mocinha.
Jabor ouviu essa história, achou estranha, e jogou tudo que tinha num apartamento em Copacabana, sentou todos num divã e disse: vamos ver como é que funciona, sem ser absoluto (será?). Vamos tentar falar uma verdade. Vamos chamar Glauber pro apartamento, Cacá Diegues já estava sabendo, mandou buscar até Jeanne Moreau de Paris, e levou ela pra Alagoas, com seu marido Pierre Cardin. Vamos trazer o cinema brasileiro para o apartamento da familía Barata. Eu quero me ver na tela, e não quero ser o vilão, gritaram da janela.
A montagem da ópera prossegue, e ainda virão mais filmes, Sônia Braga, mais Peréio, a filha de Fernanda Elvira Montenegro. Tudo acaba, as coisas voltam, tudo está bem. O apartamento como paisagem é diverso, cada cômodo é um região, não geográfica, mas de condensação de certos sentimentos, dos personagens, ou seja do povo. Quem é assim? Que tipo de prédio é este? Que país é este Juarez? Nem seus amigos que vem do passado o ajudam na questão, nem Fernando Torres, real marido de sua mulher Fernanda. Nada está bem, mas tudo caminha e a ópera tem estréia com casa cheia, depois vai esvaziando, acaba e volta. Sempre volta.
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