domingo, 30 de outubro de 2011

“CIDADE OCULTA”, por Matheus Cartaxo Domingues




Assim como em 1965, Godard, em Alphaville, tornara possível haver um filme de ficção-científica rodado na Paris contemporânea sua, da qual ele lançara mão da arquitetura dos prédios da cidade e da iluminação dela própria, articuladas a uma mise en scène narrativa, de montagem e de atuações que ecoavam o film noir, Chico Botelho, em Cidade Oculta, utiliza recorrências de gênero numa São Paulo que se pretende simultaneamente a mesma e “outra”.

No entanto, enquanto Godard, epítome de um cinema consciente de si mesmo, recorria às convenções do gênero para extrapolá-las e fazer algo ainda arejado, Botelho faz pastiche, e por isso uma certa repetição de tom entre as cenas adquire logo uma mão pesada de quem despeja com insistência “signos que significam uma atmosfera”.

É verdade que o começo do filme é animador: refiro-me aos planos de uma reportagem televisiva, que entre os clichês da fala do delegado e da enunciação da repórter conseguem filmar em zoom o rosto sem rasgos expressivos de um homem preso naquele instante, mas também aos primeiros momentos desde que esse mesmo sujeito é solto da prisão e, entre ruas e casas noturnas, volta a se relacionar com pessoas do seu passado de crimes e conhece um punhado de gente nova para ele.

O problema do filme está na verdade em sua progressão, no rimo que se desprende do interior das cenas vistas em sequência, ou seja, de uma mise en scène que não evolui ou revela, mas só acumula: cedo nos cansamos da palidez dos atores, dos números musicais em néon, da fumaça, das luzes da cidade, da noite onipresente.

Males do Tempo, que esteja datado ou não, o fato é que Cidade Oculta hoje parece pedir para ser visto em fragmentos: algumas linhas hilárias de diálogo, um show de strip-tease ao som de uma bela canção cantada por Ney Matogrosso e Arrigo Barnabé, às vezes isso basta.

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