Um dos mais famosos melodramas mexicanos, o filme de Emílio ‘Indio’ Fernandez, conta a história de uma índia, a personagem título, que foi expulsa de sua cidade por conta do passado de sua mãe. A índia sonha em casar com seu noivo, e para isso tentam juntar dinheiro apesar de todas as adversidades que o isolamento dela causa ao casal. Todo o filme é narrado por um pintor que é questionado por uma jornalista a respeito da história triste por trás de um quadro que retrata uma bela índia nua que, segundo o artista, esconde um terrível conto.
Maria Candelária, um dos pontos altos de um conjunto de filmes produzidos pelo México em sua fase áurea da produção cinematográfica, é um dos mais exemplares títulos de uma indústria que durante quase 30 anos competiu lado a lado com Hollywood e o cinema europeu – sendo influente para títulos vindouros destas ‘escolas’. Tinha seu próprio star system, fazendo parte deles os protagonistas Dolores del Río e Pedro Armendáriz, dois dos mais representativos desta época.
Os personagens, como costumam ser caracterizados nos melodramas, são marcados por um excesso nas suas ações. Uma personagem do bem fará sempre coisas boas, não se irritará, não reclamará da sua condição, dando a ela uma aparência plana e causando por vezes que nós espectadores julguemo-na estúpida. Basta que um dos personagens do filme fique em cena por poucos segundos que já saberemos seu caráter, se tem intenções maléficas – e são exemplos desses o dono de um mercado e uma indígena, ambos agindo de acordo com uma paixão não correspondida por algum dos membros do casal. Do lado oposto do ringue, encontram-se o casal de protagonistas Maria Candelária e Lorenzo Rafael, o pintor e o padre.
A presença do padre, inclusive, demonstra que Indio faz um filme com temáticas bem aprofundadas. É notória a relação de Maria Candelária com a Virgem de Guadalupe, e a própria personagem pode ser considerada uma emulação de Maria Madalena. São fortes os ícones religiosos no filme, e o pároco encontra-se lá para resolver várias desavenças, como se a intenção do diretor fosse dizer que a salvação seria por esse caminho. Os exemplos cristãos, entretanto, parecem ser ignorados pela população, que vilaniza a mãe de Maria a tal ponto de banir a filha, que nada de errado fez.
O povoado, no filme, assume a condição de manada. Não são uma massa pensante, mas um reflexo de alguma atitude isolada, ecoada a tal ponto de ser potencializada por todos os outros da cidade – como uma vaia numa plateia, que pode contagiar a audiência toda. Geralmente, o estopim parte da vilã indígena, que grita algo em desaforo, a ponto de insuflar toda a pequena população da vila da qual a heroína foi expulsa. Querem matá-la, não parecendo capazes de refletir sobre a barbárie de seus atos, cabendo ao padre intervir várias vezes.
Temos ainda a presença da malária no filme, que assim que é citada em cena já nos permite desenhar o que irá acontecer – a título de curiosidade, o vilão é o encarregado de distribuir o remédio do governo, que combate a doença, para os cidadãos da vila. O painel está pintado, e basta um passeio romântico no rio para que um dos infortúnios do casal aconteça. Neste momento, podemos ver pelo desespero de Lorenzo Rafael a divisão entre a medicina moderna dos alopatas e a tradicional dos curandeiros, ambos detestando sua contraparte, mas forçados a trabalhar juntos, pois o nobre rapaz não quer questionar em que parte da História está posicionado, e sim curar sua amada.
De antemão aviso que para os que não gostam de melodramas se prepararem para a experiência do filme, que pode ser fustigante e visceral, sem grandes, ou nenhuma, virada no plot. O que está ali e o que irá acontecer pode ser facilmente intuído por qualquer um que o assista, criando uma espécie de monotonia narrativa. Nada que faça por desmerecer a fama que a película tem, muito pelo contrário, este fato só ressalta que os objetivos de Emilio foram alcançados: entre as poucas sutilezas presentes na trama e seus vários excessos, Indio constrói uma história que ainda hoje é contemporânea – Maria Candelária reflete as novelas mexicanas dubladas e não deve nada aos dramas globais, que também não podem ser citados como exemplos de complexidade narrativa.
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