segunda-feira, 4 de julho de 2011

O Sangue do Condor (Yawar Mallku) - Jorge Sanjines, Bolívia, 1969, por Pedro Coelho


Sangue do Condor compartilha muitos elementos com o cinema latino americano da década de 60: o esquerdismo, o discurso antiimperialista; a representação da realidade das camadas pobres da sociedade; a pobreza de recursos no sentido técnico. Mas é importante situá-lo como um filme especial dentro do novos cinemas.

Do ponto de vista técnico temos um filme que se aproximaria mais do neo-realismo de um Nelson Pereira dos Santos do que os convulsionais filmes do Cinema novo brasileiro ou do tom de documentário revolucionário muito praticado pelos argentinos. Isto é, uma linguagem clássica aplicada a um cinema feito com não-atores, em locações externas. Se no cinema novo brasileiro bradava-se por uma estética da fome, em sangue de condor temos uma estética da simplicidade, da espiritualidade e calma indígena: não há movimentos elaborados de câmera, nem o uso de câmera na mão, os planos não são extravagantes em composição e em beleza; a montagem também é simples e clássica, trata-se de uma montagem paralela decifrando o passado e o futuro dos personagens, mas sempre no sentido de tornar a narrativa clara do que em interferir propriamente nela, com exceção de uma seqüência onde a montagem vertoviana com rostos e mascaras nos coloca dentro da confusão de sentidos do personagem.

A história se desenvolve em duas direções através de montagem paralela: o líder comunitário que é gravemente ferido pela policia local após rebelar-se contra estrangeiros que implementavam um projeto de esterilização coletiva na pequena comunidade indígena. Temos a vida simples, com tradições e valores próprios que entram em confronto com os interesses e jogos de poder de estrangeiros. Esses fatos são narrados pela esposa do líder ao irmão que vive na cidade e que juntos tentam salvar a vida do herói gravemente ferido. Os custos do tratamento são altos demais e quase exclusivos para a autocentrada elite local. Encurralados e nos limites de si próprio, o véu de ilusões dos colonizadores terminam por cair e revelar a verdadeira
face do progresso prometido.

Talvez o atributo mais belo do filme, seja não a tragédia do próprio filme, mas a tragédia que o filme está inserida e que com ela tenta se comunicar. A Bolívia é o pais mais pobre da America latina e a quase cinco séculos sua população indígena vem sendo sistematicamente escravizada e exterminada. A sua sangrenta origem nas minas de prata de Potosi, que utilizava escravos indígenas de todo o império inca, que marchavam para a morte certa e dolorosa. Um pais que até hoje não conseguiu dar um passo adiante e sair do mar de sangue genocida. Um pais sem identidade e infértil que grita desesperado enquanto continua sendo saqueado.

O valor documental e alegórico somado ao esforço monumental, porém simples e sincero, que o filme em si representa é uma experiência formidável de conhecimento e compreensão dos povos e indivíduos que partilham

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