sábado, 28 de novembro de 2009

"Machuca" por Henrique Vieira


Haa... Como se gosta de um bom e velho “arranca-rabo” entre a direita e os ideais comunistas. É verdade que não está mais tão em voga ultimamente - não há mais pra quê. Mas muitos saudosistas desiludidos se realizam, nem que por um momento, ao verem reativadas suas velhas e enérgicas discussões. Seus antigos temas da juventude. Afinal, o mundo era mais fácil enquanto estavam estabelecidos, bem direitinho, o bom e o malvado, cada um bem fixo em seu lado. É repousado neste tema e nesta visão simplista do mundo que Andrés Wood, jovem diretor chileno, faz um filme que, como diria Luís Fernando Veríssimo, é “profundo na superfície, mas superficial no fundo”.

O ano é 1973. O lugar, Santiago del Chile. Salvador Allende governava o Chile e o aproximava cada vez mais da esfera soviética, despertando inquietude em muitas pessoas do país. Na sociedade, duas facções se opunham: os que o apoiavam e queriam um regime socialista e os que o desaprovavam. É neste ambiente que acompanhamos um trecho da vida de Gonzalo Infante, garoto de 11 anos de classe média alta, que estuda num tradicional colégio de elite dirigido por um padre inglês. O padre é adepto às idéias socialistas e, um belo dia, decide aceitar em seu colégio alunos oriundos de uma favela próxima da escola. Entre esses alunos está o jovem Pedro Machuca, de 11 anos também, que termina se tornando amigo de Gonzalo.

A adaptação dos novos alunos não é fácil. Os “meninos ricos” zombam deles e os maltratam. Coisa que também acontece com Gonzalo. E aí se estabelece a característica mais marcante e irritante do filme: seu maniqueísmo, que aniquila qualquer possibilidade de aprofundamento na temática abordada. São os meninos bonzinhos de um lado (Gonzalo e Pedro) contra os meninos definitivamente malvados do outro. O loirinho, líder dos “meninos do mal”, se apresenta como um verdadeiro Draco Malfoy diante de Harry Potter.

Esse maniqueísmo logo toma proporções políticas quando, ao se aproximar de Pedro e de sua vida, Gonzalo se depara com o conflito entre o mundo ao qual pertence, liberal e conservador, e o mundo do colega, cujo tio e prima, inclusive, participam de passeatas comunistas e apóiam deliberadamente Allende. Além claro de perceber a desigualdade nos níveis sociais e econômicos que existe entre os dois.
O tema humano que tem por trás disso é muito interessante. Mas, infelizmente, é tratado com uma obviedade irritante. Desde o início, o filme adota seus “bonzinhos”. O padre comunista, a família de Pedro (muito simpática e prestativa), o próprio pai de Gonzalo, que defende idéias mais de esquerda. Todos eles partidários da esquerda, claro(!). Já a mãe de Gonzalo é mostrada como alguém superficial, que se preocupa demais com roupa e objetos importados e que, inclusive, trai o marido com um amigo rico que só pensa em dinheiro. Claro, ela não podia deixar de fazer parte dos “malvados” do filme, fazendo, inclusive, parte de uma passeata anticomunista num dado momento do filme.

Essa grande dicotomia é evidenciada num encontro dos pais do colégio com o padre onde muitos pais (de direita) revelam sua completa desumanidade (característica de qualquer pessoa de direita afinal, não é mesmo?) ao não quererem os “meninos pobres” perto de seus filhos, enquanto que os pais de esquerda, inconformados, defendem sua permanência.

Durante todo o filme, somos torturados por frases clichês que reforçam a irritante obviedade com que se é tratado o maniqueísmo. “Volta para a favela!”, “favelado de merda”, “meus amigos, temos que respeitar a todos de forma igual!”, ou ainda, as repetidas vezes que Pedro está diante de algum pertence de Gonzalo e exclama: “como você tem sorte!”. Como se o espectador precisasse disso para se dar conta da disparidade econômica entre os dois.

Machuca não se limita a um filme político. Na realidade o enfoque da história deveria ser mesmo o da relação de amizade entre os dois meninos. Mas esta relação está tão embainhada desse conflito político, que por sua vez é tratado de forma tão absurda, que fica difícil falar de outra coisa. O mais profundo que o filme atinge é uma sugestão de que, a meio prazo, uma relação entre dois meninos de classes sociais tão distantes se faz muito difícil, pela incompatibilidade inerente a esta relação. Mas quase não se aponta isso e é preciso meio que pegar no ar.
Finalmente, Machuca agrada àqueles esquerdistas nostálgicos que não perdiam uma oportunidade de trucidar a direita e vêem no filme seus inimigos bem definidos sendo postos como vilões. Tal os vietnamitas eram os vilões do herói Rambo. O filme chega a ser, poderíamos dizer, panfletário. Não serve como registro histórico, visto que é completamente tendencioso. É um filme de comunista feito para comunistas, numa época em que o comunismo não vale mais nada.

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