sábado, 28 de novembro de 2009

“O ano em que meus pais saíram de férias” por Clara Pérez


Em 1970 o Brasil foi tri-campeão de futebol da Copa do Mundo no México. Infelizmente, nem tudo no país era digno de ser celebrado na época. Pelo contrário, os jogos de futebol serviam, em parte, como fator de evasão da situação política. O Brasil atravessava o período mais turvo do regime militar começado em 1964 e cuja repressão contra os inimigos políticos e qualquer possível ameaça à ordem militar se incrementou consideravelmente depois que Médici assumiu a presidência no ano 1969. É nesse contexto que está ambientado “O ano em que meus pais saíram de férias”, segundo longa-metragem do cineasta e roteirista Cao Hamburguer.

Nele, o direitor conta a história de Mauro, um garoto de Belo Horizonte de doze anos, cujos pais se vêem obrigados a “sair de férias” (versão dada ao menino para evitar ter que explicar-lhe que teriam que entrar para a clandestinidade em virtude da perseguição política que sofreriam pelo regime militar em consequência de suas ideologias de esquerda). Por causa destas “férias” impostas aos pais, Mauro deve ir morar com seu avô paterno em São Paulo (no bairro do Bom Retiro, conhecido pelas comunidades de imigrantes que se abrigavam lá) só que a sua inesperada morte dá um rumo inesperado à história. O menino, agora longe de sua família, tem que afrontar seu novo cotidiano numa comunidade bem particular composta pelo velho e solitário Shlomo (um judeu vizinho do avô), pela menina Hannah ou pelo estudante e ativista político Italo, de origem italiana, entre outros. Isso não será facil para ele já que terá que se adaptar à nova realidade que lhe rodeia ao mesmo tempo em que, ansioso, espera em vão uma ligação dos seus pais ou a chegada do dia da Copa do Mundo, dia no qual seu pai prometeu voltar. Este novo cotidiano de Mauro, seu instinto de sobrevivência que vai ter que desenvolver ao máximo durante os longos momentos que passa sozinho, sua ingenuidade inicial da qual pouco a pouco vai se desprendendo até deixar atrás parte de sua infância (de uma forma meio forçada com acontecimentos que vão obrigar-lhe a madurar), a paixão pelo futebol (elemento socializante e fator de evasão até no Brasil atual)... Estes são os principais temas deste filme que, de fato, poderia ir bem mais longe e aprofundar a atual conjuntura do país, ao invés de se prender de forma até certo ponto exaustiva sobre o cotidiano de Mauro, durante o que foi a fase mais sanguinária da ditadura militar brasileira.

O filme se compõe de algumas das lembranças pessoais do diretor que, como o protagonista, viveu a persecução política dos seus pais e que também adorava o futebol e foi goleiro na sua infância: “Muito da história do filme é parte de minhas memórias e das do Cláudio [outro dos roteiristas do filme]. Não é um filme autobiográfico, mas contamos muito de nossa própria infância nele”. De fato, a figura do goleiro é recorrente a todo o filme, fazendo alusão à metáfora deste jogador que, como Mauro, tem que sozinho o jogo ao qual está participando e escolher as melhores táticas para vencê-lo, sendo também o único membro que não possui o direito de errar.

O contexto histórico-político da ditadura e do tricampeonato mundial no México é um simples plano de fundo, sendo a questão principal a confusão do garoto Mauro frente a sua situação pessoal após o “abandono” por parte dos pais, e também com respeito à situação nacional da qual desconhece (parece que só no final do filme, com a detenção de Shlomo e a fuga de Italo, Mauro começa a perceber que algo fora do normal está acontecendo no Brasil). Com relação à análise do personagem de Mauro, aos seus sentimentos antagônicos (solidão e tristeza ligadas às saudades dos pais mas também pequenas alegrias infantis ligadas ao futebol, aos novos amigos...), o filme alcança as expectativas. Da mesma maneira que desde o ponto de vista técnico, conta com um elenco qualificado, desde o menino, até as interpretações da mãe dele, de Hannah, de Shlomo, de Irene... todas elas são inquestionáveis.

No entanto, é uma pena que um filme ambientado na fase mais cruel do regime autoritário seja tão superficial e tão alheio à realidade política que atravessava o país. É verdade que nem todos os filmes sobre um período histórico particular precisam ser documentais ou tratarem aspectos exclusivamente históricos, mas qual o interesse da história de um menino que sendo filho de perseguidos políticos, conta uma história até certo ponto banal? Que retrata um dia a dia no qual poderia ter qualquer outro menino morando em qualquer outro país, democrático ou não, (excluindo as cenas das pixações contra a ditadura que Mauro observa pela janela e algumas cenas finais, mas bem escasas e sempre superficiais, sem aprofundar nem um pouco na questão). Infelizmente, o filme limita-se a contar a história de um garoto que mora isolado de mais no seu prédio, totalmente inconsciente da realidade do Brasil do ano 1970, que como todos os garotos do mundo inteiro toma banho queixando-se da água fria, não gosta de ficar longe dos pais, espia mulheres bonitas, etc, etc. Tudo isso, na minha opinião, carece de interesse uma vez que já fizeram intermináveis filmes retratando essas mesmas coisas... até dá para entender porquê, segundo a crítica, as crianças que viram o filme gostaram dele. Mas para aquele que quiser, não necessariamente falo em saber um pouco mais sobre aquele ano do auge da repressão durante a ditadura militar, mas simplesmente se aproximar dos sentimentos das pessoas comuns que viveram aquilo, melhor abster-se de ver “O ano em que meus pais saíram de férias”, que pouco contribui neste sentido.

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