sábado, 28 de novembro de 2009

"O abraço partido" por Matias Wulff


“O Abraço Partido” é um filme do diretor argentino Daniel Burman (2004). Conta a história de uma familia judia em Buenos Aires, no contexto da crise do final dos anos 90. O personagem principal, Ariel, de pouco menos de 30 anos, quer sair desse pequeno universo que lhe parece oprimente. Ele mora com a sua mãe divorciada. Seu pai foi embora misteriosamente para Israel, aparentemente para se inscrever no exército, quando ele era uma criança. Ariel tem um forte rancor por essa partida vivida como um abandono covarde cheio de segredos. Também o espanta a lembrança da perda de sua namorada. Ele pretende, então, afastar-se do ambiente do centro comercial para viver na Polônia. Quer descobrir suas verdadeiras raízes, de onde escaparam seus avós judeus durante a guerra, mesmo se a entrevista na embaixada da Polônia e o subsequente choque cultural o deixam desmotivado.

O trabalho de câmera oscila entre grandes planos e efeitos handheld que guiam os espectadores na labiríntica consciência de Ariel. Além de uma mis-en-scene instintiva, Burman decidiu filmar quase tudo com câmera na mao: móvel e rápida, esta se torna um mecanismo para entrar en contato permanente com os personagems e penetrar no centro da intimidade. Assim, desde os primeiros minutos, somos absorvidos no redemoinho da vida do pequeno centro comercial, microcosmo de intercâmbio cultural entre migrantes de diversas épocas e lugares, sobretudo da comunidade judaica da Argentina, fazendo-nos entrar nas situações cotidianas mais pitorescas e simultaneamente mundanas. Passando de um personagem ao outro rapidamente, Ariel nos apresenta seu olhar do dia a dia, e dos personagems que o rodeiam: sua mae; dona de uma loja de lingerie que joga constantemente com a saudade do pai Elias, e que vive na esperança de sua volta. O seu irmao mais velho, um comerciante ambicioso, não muito bem-sucedido, viciado no trabalho. O dono da nova loja de internet, um velho idoso que tem uma relaçao ambígua e incerta com a sua secretaria, uma loira de uns 30 anos. De imediato, nota-se uma atração por essa mulher de parte de Ariel, com a qual desenvolve uma relação ao longo do filme. Sua avó, sobrevivente de um campo de concentração, que pode ajudar a seu neto para obter a nacionalidade polonesa, mas que resguarda os segredos da familia, e sobretudo conhece a história do fantasma que atormenta e espanta a Ariel: Elias. Alem disso, a dificuldade comunicacional com uns novos donos de uma loja coreana, dá um caráter mais absurdo a esse mundo. A presença do pai é notável na sua vida, mostrada pelas conversas, pelos detalhes do comportamento das pessoas da galeria, pelas preocupações de Ariel.

Ao longo do filme, Burman emprega sua câmera voluntariamente caótica para traduzir no cinema as atribulações de Ariel e cristalizar sua procura balbuceante de identidade. Sem cair no Pathos, e sem perder a leveza, ele descreve os dilemas e as perguntas existenciais de Ariel: Ficar na Argentina com sua família disfuncional, num país em plena crise econômica ou partir para a Polônia? Fugir dos demônios do passado ou procurar as lembranças dos próximos para entender-se? Desfazer-se do seu pai para sempre ou reencontrar-se com ele no momento em que ele ressurge repentinamente na sua vida ? Para viver vai ter que tomar a dura decisão entre esquecer e dar as costas ou enfrentar os seus tormentos, e assim, descobrir outra realidade, aprender a perdoar.

Além de tocar o clássico tema da busca de identidade, o filme denota bem esses elementos que fazem a particularidade da comunidade judaica argentina: seja através da paixão secreta da avó pela canção yiddish, ou da relação mãe – filho extremadamente complexa. Não faz questão de uma exaltação das peculiaridades, mas do culto aos detalhes que dão ao mesmo tempo realismo e interesse ao filme. São esse detalhes que podem construir uma mensagem universal sobre as relações humanas, ainda que esse não fosse o objetivo de Burman.

Parece uma crônica agridoce sobre uma minoria e uma juventude em sofrimento, O abraço partido traz atuações autênticas e memoráveis (com Daniel Hendler no papel de Ariel), o filme é engraçado e tocante. O filme faz parte do novo cinema argentino e seu humor cínico judeu é comparável a Woody Allen. Um filme de risadas curtas e repetitivas que nos lembra da dificuldade de nos tornarmos, simplesmente, nós mesmos.

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