sábado, 28 de novembro de 2009

“Sorriam e digam WhisKY!” por Yanna Luz


“Sorriam e digam WhisKY!”

O que se sabe do processo colonial da América Latina, em suma, é que foi duro e explorador, e que os ocupantes não pouparam esforços para desconstruir os ambientes que encontraram e transformá-los em espaços com características semelhantes às dos quais eram oriundos. Aconteceu com o Brasil, de metrópole portuguesa, e aconteceu com todos os outros países da América do Sul, Central, e México - no Norte.

O que se pode dizer, então, no contexto atual de análise, sobre o que aconteceu e acontece de forma convergente com a cinematografia de tais países ocupados? O que pode ser dito é, provavelmente, o que disse Paulo Emílio em seu “Cinema e trajetória do subdesenvolvimento”, no qual alinhava o modo como tais países foram colonizados ao comportamento de seus Cinemas, tratando o primeiro fator como justificativa para o modo de conduta do segundo. Ao Brasil sobram comentários do tipo “Somos um prolongamento do ocidente, não há entre ele e nós a barreira natural de uma personalidade hindu ou árabe que precise ser constantemente sufocada, contornada e violada. (...) A peculiaridade do processo, o fato do ocupante ter criado o ocupado aproximadamente à sua imagem e semelhança, fez deste último, até certo ponto, o seu semelhante.”. Importante observar que tal análise se partirmos da mesma premissa da qual partiu Paulo Emílio, pode ser também estendida para os outros países da ‘latinoamerica’ e suas respectivas produções.

Outra conclusão que pode ser tirada sobre o atual cinema latino americano acontece ao passo que deixamos descansar na estante as breves páginas de Paulo Emílio e desfrutamos de alguns filmes recentes de tal cinematografia, tais como os vistos: Machuca, Pântano, As luvas mágicas, O filho da noiva e, por fim, Whisky. Ao nos deparamos com essas obras em sequência, e não necessariamente nessa ordem, fica impossível não sublinhar como buscam, cada uma a seu modo, possuir identidade reconhecível e peculiar. O quanto demonstram querer ser um Cinema latino-americano, enquanto conjunto de características, entre as quais algumas próprias. A ânsia de definição de fronteiras desse Cinema, em especial produzido no século XXI, pode ser reconhecida através da insistência retórica de O filho da noiva, ou das luvas mágicas, por exemplo, quanto à demarcação geográfica da trama, que ocorre geralmente
através de contextualização social e de forma óbvia em diálogos, ou ainda quando os filmes se utilizam de recursos narrativos quase novelísticos, bastante característicos, dentre outras recorrências.

Acima de tudo, é relevante a análise da característica mais marcante em todos esses filmes: a presença forte do cotidiano, não apenas como plano de fundo para as tramas, mas, como uma atmosfera que possui voz própria, atuação soberana e veiculadora de situações diárias que constituem, por fim, um posicionamento estético, o qual foi tomado por todas as obras anteriormente citadas. Dessa forma, a opção por histórias intimistas e “banais” parece ter sido uma solução plausível para um cinema de baixos orçamentos, que tem que dançar conforme a música, e até tem dançado no ritmo.

Em Whisky logo não é diferente, a abordagem do cotidiano dada pelos diretores Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll vem também dominadora, cercando os personagens Marta e Jacobo, a primeira, empregada do segundo em uma pequena fábrica de meias em Montevidéu, propriedade deste, que por sua vez, é um homem de aproximadamente 60 anos, solitário desde a morte da mãe. A relação entre os dois é distante, mas revela uma estranha interdependência. Determinado dia, Jacobo recebe a notícia que será em breve visitado pelo seu irmão, também proprietário de uma pequena fábrica de meias, sendo no Brasil (que, por sinal, é também mencionado por algumas vezes: literalmente e através de elementos citados como os famosos “dois beijinhos” ou o ainda-mais-famoso Tony Ramos, tudo participando da tentativa incansável de fazer a América Latina, como conjunto, soar familiar.). Em Jacobo tal visita reage como uma ocasião para afirmar que está com uma vida suficientemente equilibrada, oportunidade ideal para mascarar, diante do irmão, suas fraquezas. A presença desse quarto elemento na trama, (os dois primeiros seriam Marta e Jacobo, o terceiro o Cotidiano) provoca um desajuste nas articulações antes tão previsíveis e mecânicas, nos trazendo situações que se distanciam do Comum asfixiante e lodoso ao estilo de Pântano, ou ainda do cômico oferecido pelo As Luvas Mágicas: nos fazem pôr em prática um tipo de riso despretensioso e raro. Nos personagens, qualquer forma de prazer ou apreço só é apresentada do meio pro final do filme, e tudo começa com um sorriso bastante forçado para a foto de família. “Sorria e diga whisky!” é dito antes do clique em substituição esquisita ao arcaico – e até cômico- “olha o passarinho!” o comum acompanhante do flash em algumas infâncias.

Se ao início Marta era retratada sempre na fábrica, e sua imagem intercalada com planos aproximados de máquinas trabalhando incessantemente, (até lembram o plano-detalhe da agulha da máquina de costura no brasileiro Limite, de Mário Peixoto, inclusive pelos planos estáticos) de forma que uma imagem quase permeava a outra, ou que o close da máquina podia ser lido, em metáfora, quase como um close da própria Marta, (mostrando a força com a qual o Cotidiano infiltra vidas) ao final, a personagem mostra-se desvinculada desse contexto inicial. Há, ao longo da narrativa, uma descoberta dela sobre si mesma, sobre as suas diversas possibilidades de existência, e um desfecho que permitiu visão otimista ou ainda, pode se arriscar dizer em uma leitura mais ampla, que o filme ousou acreditar em progresso.

O curioso é pensar que, apesar de tamanho empenho em compor um mosaico de filmes que quase buscam a negação à tese inicial de Paulo Emilio, na tentativa de afirmar que não somos apenas um prolongamento do ocidente e de identificar uma identidade latino-americana, não soa estranho verificar o título, de única palavra estrangeira? Whisky (e não Uísque, você vai ver no Google...), por fim, convida a uma experiência interessante e apreciável de análise do panorama das recentes produções vizinhas, mas é suficiente para fazer acreditar que o cinema latino-americano é cultura original?

Somos mesmo colônias devoradas pelas metrópoles (elas, crocodilos que são!)... (desculpem o infame trocadilho musical) COTIDIANAMENTE. Ou, recaindo na trajetória do subdesenvolvimento: “de fato, o segundo [ocupante] também é nosso e seria sociologicamente absurdo imaginar a sua expulsão”? Nesse segundo caso, caros espectadores, convém ficarmos mais calmos com o Whisky de W, K, e Y. Embriaguemo-nos é de Cinema, enfim. E um brinde à Latinoamerica!

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