sábado, 5 de dezembro de 2009

"A menina santa" por Wilson Rocha


Quais os efeitos que uma sociedade repressora exerce sobre seus indivíduos ? Sejam por critérios religiosos, familiares, profissionais a sujeição a regras estabelecidas aprisiona o homem dentro de um dilema do que pode ser certo ou errado, isolando-o. Em “A Menina Santa” de Lucrecia Martel todos os três papéis principais direcionam-se a debater estes tipos de conflito.

Centrada na figura de Amália, a Santa a que se refere o título, a obra da diretora argentina navega por diversas situações sem proferir uma sentença favorável a um comportamento bastando-se apenas em desenvolver as questões de forma imparcial e livre de méritos pré-definidos. A conclusão é particular, e sendo assim, relativa.

Amália é uma jovem adolescente, filha de pais separados e onde as primeiras impressões sobre sexo e afetividade são confusas. As aulas de religião apenas fomentam essa dicotomia entre o que parecer ser sagrado e o pecado tentador. Os comentários maliciosos feitos por sua melhor amiga, a prima Josefina, muito mais experiente no que tange as tentações do sexo, apenas sublinham sentidos hipocritamente velados entre o que se diz e o que se quer. Josefina é o arauto do filme, que retira as pressões dos dogmas e traz a noção de realidade menos utópica que a educação tenta instituir sem se preocupar com as consequências.

O turbilhão de sensações invade o emocional de Amália quando o médico hospedado no hotel de sua mãe, Dr. Jano, tira uma ‘casquinha’ com a adolescente numa cena que os dois estão em um aglomerado na rua. A atração que Amália sente pelo Dr. Jano é irresistível e o médico passa a ser vigiado pela menina, que o torna ícone dessa sua fase de descobertas. Ícone este que também vive seu momento de ceder aos chamados pecaminosos e permeia um caminho que pode comprometer a sua reputação valorada de homem casado e de posição profissional respeitada.

Neste jogo de sentimentos contidos Helena, mãe de Amália, perfaz esse círculo e tenta restabelecer sua vida após a separação do marido e de saber que o mesmo espera filhos gêmeos de sua nova esposa. Vinculada aos mesmos ditames morais do ambiente que lhe cerca ela não se contém em se insinuar para o médico que já despertara em sua filha sentimentos adormecidos.

A câmera de Martel conduz o expectador, através das sutilezas das expressões faciais dos atores, aos seus mundos particulares, às suas almas. Amália é uma das figuras que tem menos falas no filme, contudo é a que mais se comunica e se deixa transparecer pelo seu semblante. Nessas cenas em que imagem dispensa um diálogo a lascívia, o medo e a insegurança não se ressentem de qualquer outra fórmula para indicar o estado interior dos integrantes do filme. Um olhar mais demorado e hesitante, um sorriso temeroso, um toque despretensioso tem uma carga erótica muito mais forte do que uma cena explícita de desejo. E é disso que se vale o filme de Lucrécia Martel: sensibilidade na captação, exposição e na forma como ela conduz o olhar para a leitura das imagens.

“A Menina Santa” radiografa tudo o que é incontido e o que aflora sem refutá-los ou questioná-los de forma a entendê-los como fazendo parte da natureza humana. Eximir-se dos mesmos pode parecer o mais sensato e menos ingênuo do que sucumbir, porém não mais humano. Essa carga particular do exercício secreto de uma intimidade guardada às sete chaves atrela a si um sentimento de solidão que acompanha e une os personagens na incerteza de seus futuros.

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