sábado, 5 de dezembro de 2009

"SOY O NO SOY CUBA?- Resenha do Filme Soy Cuba, de Mikhail Kalatozov [URSS / CUB, 1964]" por Gabriel Muniz de Souza Queiroz


Cuba, 1964. Com apenas uma semana em cartaz desde seu lançamento uma grande epopéia cinematográfica sobre a revolução daquele país é arquivada. Após 30 malogrados anos de esquecimento esta parceria entre Cuba e a antiga União Soviética foi redescoberta e restaurada pelos cineastas Martin Scorsese e Francis Ford Coppola. Estou falando de Soy Cuba, a lendária superprodução regida pelo fotógrafo e diretor russo Mikhail Kalatozov. Que motivos levariam a esse engavetamento repentino, visto que atualmente o filme é considerado uma obra prima do cinema mundial e seu ressurgimento é tratado como um achado arqueológico?

Durante dois anos uma equipe mista de soviéticos e cubanos trabalhou na elaboração desse filme, um extraordinário poema visual de exaltação à então recente Revolução Cubana. Buscando retratar o período que antecedeu a queda do ditador Fulgencio Batista, a obra é claramente dividida em episódios que representam os momentos de dominação americana nos contextos urbano e rural e a resistência do povo cubano no apoio à militância estudantil e à guerrilha na Sierra Maestra. São capítulos intercalados pela narração em off da própria nação cubana, uma voz feminina que recita poeticamente sua situação social e política. A obra segue a forma de construção eisensteiniana, com partes, que funcionariam de maneira individualizada apresentando os diversos momentos da revolução, porém com o sentido definitivo fechado da maneira que é disposta na composição total.

As elites culturais dos dois países recusaram a proposta. O lado cubano não se sentiu representado no filme. De fato há uma excessiva estetização, principalmente visual, da história, dos tipos humanos, sociais e indumentárias. O olhar estrangeiro predominou na representação do povo e na dramaticidade exagerada de algumas seqüências. Embora todo virtuosismo da equipe técnica, principalmente da impecável, acrobática e belíssima fotografia [lente grande angular / filme infravermelho], torne a obra um primor de qualidade estética, toda essa beleza desagradou justamente por não ser Cuba. Já o lado soviético, acredito que com todo esse foco na construção formal e dramática, recusou o filme por achá-lo pouco revolucionário. Seus elementos narrativos são trabalhados de maneira intensamente poética, porém enfatizando uma postura mais defensiva das massas, e freqüentes situações de opressão e humilhação da parte do ocupante americano.

Conceitualmente Soy Cuba é um grande filme e sua força está concentrada mesmo na forma: além da já citada fotografia, aliada à grandiloqüência dos seus planos-seqüência estão os competentes recursos de sonorização e montagem, que criaram diversas e criativas soluções narrativas para exaltar ainda mais a estética do filme. No entanto, toda essa habilidade técnica dos soviéticos pareceu não ser suficiente para um registro fidedigno da realidade cubana, talvez por uma falta de aprofundamento nos estudo da cultura do país. As pessoas pareceram um tanto artificiais, a imagem dos heróis cubanos é apenas sugerida, o nome do filme se mostrou pretensioso... e a voz em off soou mais como uma senhora de sotaque eslavo ao dizer: “Sou Cuba”. Mesmo sem ser.

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