terça-feira, 29 de setembro de 2009

"Família Rodante: rodado a sol e sinceridade" por Lucas Andrade


Pablo Trapero, em seu terceiro longa metragem, nos faz ter a sensação de ver uma película construída de modo bastante sincero, filmada secamente e sem tantas extravagâncias estilísticas. Esse parece ser o tipo de produção mais interessante feito pelos latinos atualmente. ‘Família Rodante’, que se encontra nessa safra de filmes, conta a história (de quadro gerações) de uma família que viaja para o casamento de um parente e que a avó, uma senhora de 84 anos, será madrinha. Apenas um detalhe, eles terão que fazer uma viagem de mais de mil quilômetros, cruzando a Argentina e chegando à fronteira com o Brasil, em um trailer bastante apertado, principalmente quando se trata de levar 12 passageiros. Ainda terão que arrumar espaço para um cachorro que será encontrado no meio da estrada e seguirá viagem junto a eles.

É através de cores quentes e dos sons realistas que o filme nos passa as sensações de aperto, desconforto e calor. Todos estão em uma casa móvel que não dá espaço para ninguém e que o único lugar de privacidade parece ser o banheiro. Desde o pequeno Matias que o usa para chupar chiclete escondido de sua mãe, até os dois jovens que tentam ficar a sós para namorar, todos apenas querem um pouco de espaço. Como num barco, aquele trailer une as pessoas de forma brusca e forçada, já que não se tem a opção de não se integrar ao grupo tal é a redução do espaço.

Nessa interação tão direta, com os sentimentos à flor da pele e embaixo de um sol escaldante, surgirão as intrigas, os desentendimentos, o carro começará a quebrar e amores antigos voltarão a aflorar. Ernesto, cunhado de Marta, irá tentar reconquistá-la. Essa, por sua vez, não quer nada com ele, mas (com a sutileza de deixar o cabelo solto por ter sido elogiada) não nega que gosta de ser desejada. São esses pequenos detalhes que tornam o roteiro desse filme um texto tão bem construído. Ele dá à Argentina e a tudo que aborda um tratamento direto, sem redundâncias. Isso é visto tanto nas ações dos personagens quanto nas paisagens, nos figurinos, na mise-en-scène em geral. O carro em que viajam, por exemplo. Ao invés de ter um tom chamativo e diferente, como acontece com a Kombi de ‘Pequena Miss Sunshine’, em ‘Família Rodante’ trata-se de um trailer cinza, aguado e que não chama atenção para sua cor em momento algum. Parece um paradoxo, já que é o fato de não buscar atenção para esses pequenos elementos fazem com que o filme de Pablo Trapero se torne mais complexo e plural.

A câmera tem um papel fundamental na obra. Ela parece investigar e mostrar de forma singular cada um dos 12 personagens. Com closes que podem exprimir agonia em alguns e alegria em outros, ela tenta entrar com maior profundidade no sentimento daquela família, e faz isso com uma delicadeza que não chama atenção para si. O espectador se envolve com a narrativa, mas muitas vezes não saberá descrever o que aconteceu para deixá-lo assim, pois esses detalhes que estão presentes em movimentos de câmeras e no trabalho com a banda sonora do filme muitas vezes passam despercebidos, porém, são de fundamental importância para a constrição da atmosfera fílmica.

O filme faz questão de se encerrar sem dar um desfecho total para aquela história. Não se sabe o que acontecerá com o casamento de Ernesto, como ficará a relação de Marta com a sua irmã e também com o seu marido. Isso é um ponto que pode ser visto não só nessa produção, mas também em tantas outras da América latina na safra atual. Esse tipo de filme investe em deixar ‘portas’ abertas, pois sabe que essas partes não contadas tornam o roteiro ainda mais interessante, pois, assim como na vida, muitas dúvidas continuarão, mesmo o filme tendo acabado.

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