domingo, 27 de setembro de 2009

"Uma salada mista latino-americana" por Tiago Bacelar


Há 41 anos, em 1968, era lançado um filme, considerado pela crítica cinematográfica mundial como um grande “clássico” do cinema latino-americano, intitulado de Memórias do Subdesenvolvimento. Produzido pelo cineasta Tomás Gutierrez Alea, o filme leva o espectador para a Ilha de Fidel pós-revolução cubana. O passeio da fotografia de Ramón Suarez pelas ruas do arquipélago e pela casa de Ernest Hemingway imediatamente nos remete ao cinema documental e neo-realista de Roma, Cidade Aberta (Roberto Rossellini) e Rio 40 Graus (Nelson Pereira dos Santos). Indo mais para o passado, esse longa-metragem lembra muito também o cinema verdade soviético de Dziga Vertov em Câmera Olho.

A atuação de Sergio Corrieri, Daisy Grandos e Eslinda Nuñez antecipa um estilo de interpretação bem característica do audiovisual latino-americano, especialmente o mexicano, que persiste até hoje. É um desempenho frente às câmeras exageradamente dramático, com muitos gestos corporais, gritos e cachoeiras de lágrimas. Um marco inicial desse tipo de ator é a película de Emilio Fernandez, Maria Candelária (1944), aonde o espectador é levado a suportar Dolores Del Rio (Maria Candelária) e Pedro Armendáriz (Lorenzo Rafael) em busca de sua porquinha.

Esse exagero na telona pode ser visto nos filmes de Glauber Rocha, que adorava fazer uma ceninha para o espectador, olhando diretamente para a câmera, no intuito de divulgar sua “estética da fome” aos brasileiros. Na atualidade, o México tornou-se especialista nesse mercado do dramalhão hiper, mega e ultra-exagerado com as “famosas” novelas mexicanas.

São vários os exemplos, tais como: a trilogia das Marias com a atriz e cantora Thalía (Maria do Bairro, Marimar e Maria Mercedes), Carrossel, Chiquititas, A Usurpadora, Pícara Sonhadora, Rebelde, No Limite da Paixão, A Feia Mais Bela, Esmeralda, Rosa Selvagem e Laços de Amor. Em meio a esse dramalhão todo, Memórias do Subdesenvolvimento consegue confundir quem o assiste. Apesar de ser considerado um “clássico”, o filme de Alea não sabe se quer ser um novelão, um documentário ou uma ficção “revolucionária”.

O personagem de Sergio Corrieri não faz idéia de quem é na verdade. Será ele um “Don Juan” do cinema cubano ou um “revolucionário”, cuja família imigrou para os EUA? Em 97 minutos, essa pergunta não é respondida e ainda sobrou para o Fidel, que aparece no final de Memórias do Subdesenvolvimento totalmente deslocado de uma história sem nexo, pé e cabeça. Com essa produção audiovisual, o cineasta Tomás Gutierrez Alea entrou para a história do cinema por ter feito um clássico “salada mista”, em que o espectador e o próprio diretor ficam perdidos naquele confuso mundo diegético.

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