sábado, 29 de maio de 2010

"Amores Brutos", por Amanda Beçça


O México é uma referência mundial para o cinema produzido na América Latina desde a sua época de ouro nos anos 40, com “Maria Candelária” para o filme-auge. Depois disso, o cinema mexicano sofreu uma decaída com a “invasão” do americano e apenas poucos filmes – “A Montanha Sagrada” e “A Paixão Segundo Berenice”, por exemplo – conseguiram destaque nesse período que durou dos anos 50 até os 90. Na década antes da virada do milênio é que o cinema no México começou a engrenar novamente até chegar a proporções mundiais, como foi o caso de Amores Perros.

Amores Perros, ou Amores Brutos como traduzido no Brasil, é o primeiro filme de Alejandro Gonzáles Iñárritu, que logo conseguiu importância internacional por sucesso de público, crítica e prêmios em diversos festivais. Talvez ele a tenha conquistado pela união que Alejandro fez de uma temática universal e atual de amor e violência, com a qual todos podem se identificar, com o pano de fundo na realidade urbana da Cidade do México, que consegue tornar o filme bastante regional.

O filme é divido em três grupos e neles o tema das relações amorosas e familiares é o ponto em comum. O que os une é um único acidente de carro que acontece para mudar a vida dos personagens. Há um grande contraste entre as três histórias: o roteiro dá um passeio pelas realidades de pessoas da classe alta e baixa da sociedade, e mostra que mesmo diferentes todas elas têm problemas e são vulneráveis à vida.

No primeiro núcleo, Octavio e Susana, os personagens estão sujeitos à condição periférica e de baixa renda em que vivem e enfrentam problemas como a violência, a delinqüência e a desestrutura familiar. Octavio tem uma péssima relação com seu irmão, Ramiro. Ramiro, marido de Susana, a maltrata e assalta lojas e supermercados para obter uma maior renda. Todos tentam, à sua maneira, um meio de sobreviver das suas condições, seja tentando conviver com o caos, seja ganhando dinheiro fácil pra poder fugir dali. De qualquer modo, o coletivo se sobrepõe ao individual, e o choque entre as vontades de cada um sucede a tragédia que conecta os núcleos do filme. É impossível construir seus próprios caminhos: eles estão presos e engolidos pelo que a periferia tem a lhes tornar e a lhes oferecer.

No segundo, mostra a camada rica, com Valeria, uma modelo cuja carreira estava em alta, e Daniel, empresário que largou a família para viver feliz ao lado dela. Uma condição totalmente contrastante com a do primeiro grupo: Valeria optou por construir uma carreira e agora esta vendo os sucessos de todos os seus esforços. Do lugar mais privilegiado onde ocupa na sociedade, ela consegue criar um destino próprio. E ainda assim fica a mercê das causalidades e tragédias da vida: depois de sofrer o acidente de carro, não há nada que a mantenha em cima do topo. Depois que sua carreira desaba, sua vida bem estruturada se mostra não tão bem estruturada assim, ela é frágil como qualquer outra. E isso logo atinge sua relação com Daniel, que é quando tudo começa a – facilmente – sair do controle e tomar proporções permanentemente irreversíveis.

No terceiro núcleo, que se introduz pouco a pouco a partir do segundo e do primeiro, tem-se Chivo, o personagem mais misterioso. Pouco se sabe sobre ele: ex-guerrilheiro, matador de aluguel e afastado de sua família. O resto são palpites. O que se pode conhecer, ou reconhecer, é que ele vive as ações que optou tomar em contrapartida às conseqüências de suas escolhas anteriores. E é, em essência, aquilo que resultou a soma de seus ideais com as impossibilidades que o caos da sociedade teve a oferecê-lo. Na sua amarga alma pode não ter ferimentos, mas é cheia de profundas cicatrizes.

Tudo contribui para a sensação de desordem, de caos: a mise-en-scène é bagunçada, as cores são mortas e a câmera é nervosa. Iñárritu não economiza para deixar a atmosfera do seu filme a mais pessimista possível, ele leva e deixa os seus personagens na rua da amargura. Cada grupo pode estar no estágio que for das suas vidas, mas nenhum é feliz com as conseqüências de suas escolhas e são condenados à angústia e à dor. O que pode até ultrapassar um pouco a carga de realidade, mas é a medida certa para que essa “vulnerabilidade” do ser humano para com a vida fique explícita.

Por fim, cada grupo de personagens passa a idéia de um estágio: Octavio está no primeiro, na luta pelos seus sonhos. Valeria esta vivendo o que Octavio quer: seu sonho concretizado. E Chivo vive, desde o começo, a falência dos sonhos que conquistou, é o pós game-over. O que lhes resta é o troféu Lição de Vida, mas quem disse que era isso o que eles queriam? O Felicidade tão almejado se mostra, afinal, um ideal inalcançável.

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