sábado, 29 de maio de 2010

"Como se faz um filme sobre uma carta." Por Luciano Monteiro


Os anos 60 e 70 foram, certamente, os anos mais revolucionários para a sétima arte. Com o estopim do cinema novo e do chamado terceiro cinema na América Latina o mundo viu, pela primeira vez, os rostos e vozes desse povo tão oprimido, terceiro-mundista. Cineastas como Glauber Rocha no Brasil e Fernando Solanas, oriundo da Argentina, davam a palavra de ordem dos novos cinemas.

Dentre os brasileiros um dos que mais teve representatividade dessa geração foi o carioca Arnaldo Jabor. Com uma filmografia destacada pela experimentação, tanto no sentido cinematográfico quanto no sentido dramatúrgico, Jabor era e ainda é um dos mais fervorosos defensores do cinema autoral, cunhado nos moldes do cinema novo.

Em Tudo Bem, filme de 1978, o cineasta constrói uma jornada em busca de uma identidade nacional, brasileira nata, com suas misturas, dicotomias, particularidades e sincretismos. A ação toda se passa dentro de grande apartamento classe média alta e, dentro os personagens centrais encontramos Juarez, vivido por Paulo Gracindo, homem atormentado pelos fantasmas da cultura brasileira e lusitana. Sua frustrada esposa Elvira, encarnada de maneira magistral por Fernanda Montenegro, e finalmente Luiz Fernando Guimarães e Regina Cazé interpretam os filhos do casal. A estória se passa durante as atormentadas semanas de reforma do apartamento e o que mais chama a atenção são os personagens coadjuvantes. A empregada sensual, o nordestino e sua família de retirantes, a outra empregada milagreira, o namorado americano da filha, que, mesmo sem aparecer fisicamente em nenhum momento do filme, é o personagem mais querido e bem estimado pela família, numa clara crítica de Jabor ao colonialismo americano.

Neste filme tudo vira carnaval, samba, bagunça, misticismo. Arnaldo Jabor mesmo sendo hoje um dos comentaristas jornalísticos mais chatos e sem noção, acerta no tom do filme, apesar de cair em certas figuras estéticas repetitivas do chamado cinema de autor brasileiro. Os momentos de monólogo sem necessidade narrativa e a famosa verborragia constantes neste tipo de filme e em especial na obra do cineasta chega a cansar o espectador atual. Porém, o filme cresce no seu pequeno caos da vida privada e nos mostra como uma nação pode ser tão bem representada na vidinha comum de uma simples família e seus drama pessoais. Certa vez Alberto Cavalcanti disse “se você quiser fazer um filme sobre o sistema de Correios, conte a estória de uma carta”. Jabor, numa estória de uma família nos dá sua versão definitiva do Nascimento de Uma Nação: a Nação Brasileira.

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