sábado, 29 de maio de 2010
"Guantanamera" por Rinaldo da Silva Pereira Junior
“Fale de sua aldeia e estará falando do mundo’’ disse alguém, creio que Tolstoi. Assim é com Jorge Amado e sua Bahia de Todos os Santos, assim é Gabriel Garcia Marquez com sua Macondo, microcosmo que reproduz os problemas colombianos e assim é no cinema com Woody Allen, por exemplo, e sua New York e é desse modo também que ficamos conhecendo Cuba através do bom humor e da critica afetiva de Gutierrez Alea.
‘’Brasil e Cuba têm muitas coisas em comum’’ afirmou certa vez em entrevista o escritor cubano Pedro Juan Gutierrez quando em ocasião do lançamento de sua ‘Trilogia súcia de La Habana’, onde inclusive apontou as similaridades com relação ao povo, e principalmente, a semelhança na abordagem da sexualidade nesses povos hermanos.
Com Guantanamera Alea revisita sua Cuba querida de uma maneira bem-humorada e criativa. Segunda parceria sua com Juan Carlos Tabío, depois do sucesso e polêmica de Fresa y chocolate, Guatanamera acabaria sendo o canto do cisne de Alea que morreria no ano seguinte, abril de 1996.
Temas como a velhice, a amizade, encontros e desencontros são tratados de maneira sutil e delicada, filtrados através de um olhar por vezes nostálgicos e sempre afetivo. Guatanamera pode ser descrito como um road movie incomum, estranho e absurdo: indo visitar sua cidade natal, Guantanamo, depois de cinqüenta anos ausente, bem-sucedida como atriz em La Habana, Yoyita reencontra seu eterno amor a quem tinha visto pela ultima vez quando ainda era uma niña de 12 anos. A emoção do reencontro e das lembranças de juventude acabam sendo um pouco demais, matando a velha atriz, e é no translado por terra de Guatanamo a La Habana do corpo de Yoyita que a estória se desenrola. Durante a viagem insólita acontecerá de tudo. Situações cômicas e tristes, encontros e rupturas, risos e lágrimas.
A similaridade de Cuba com nosso país se mostra em toda paisagem, todo close-up de um nativo. Prédios velhos e decadentes, vendedores de tudo em beira de estradas, povo modesto no vestir e no comportar-se, misticismo e conflitos sociais e pessoais bem semelhantes. Durante a viagem do cortejo fúnebre conhecemos varias pequenas cidades históricas de Cuba e seus personagens e muitas vezes nos recordaremos de nossas próprias viagens pelo interior do nosso Brasil. Os biótipos são parecidos e o calor escaldante e que quase cega, queima e cega os dois povos.
A veia documentarística de Alea se faz presente novamente, a propósito uma de suas marcas registradas: em Memorias del subdesarrollo são as imagens de época das atrocidades do governo autoritário pré-revolução castrista, aqui um guia de turismo discorre sobre a importância histórica e econômica de uma cidadezinha do interior, Bayama. É isso que faz do cinema de Alea um cinema curioso, multifacetado e inteligente. Com uma câmera curiosa mas discreta, com uma roupagem de ficção mas tratando de temas reais e caros ao povo cubano, vamos pouco a pouco descobrindo os problemas e particularidades da ilha: constantes faltas de luz, o dólar como moeda forte e de referencia, até para se comprar bananas à beira da estrada nos confins do país, a brujeria para proteger os caminhoneiros nas suas longas viagens, o conflito tradição X modernidade simbolizado pelo machista Adolfo que não aceita que sua mulher vista um simples vestido florido, e também pela fuga da filha de Gina para o ‘paraiso’ idealizado de Miami. A nova geração assim e sempre que possível foge e vai buscar longe de Cuba seus ideais e sonhos. Muito interessante também o uso da letra da conhecida canção titulo que se adapta para descrever o desenrolar dos acontecimentos durante a viagem.
Mas Alea é também universalista e preocupado com os dilemas e dores do ser humano. A velhice e os arrependimentos pelo que fizemos ou deixamos de fazer, no papel de Cándido, o eterno amor de Yoyita, que se repreende por não ter tido coragem de largar tudo e tê-la seguido até Havana, preferindo a repetição e o tédio de sua cidade natal. Ficar preso a um lugar por comodismo ou medo. O sonho da nova geração nas velhas cidades do interior em um dia chegar até a capital da republica, onde encontrarão mais e melhores oportunidades. A dor ou alegria do reencontro entre as pessoas, no par Yoyita e Cándido e Gina e seu ex-aluno, sempre apaixonado, Mariano.
A amizade incondicional dos caminhoneiros Mariano e Ramón. Dores e alegrias de qualquer um em qualquer lugar do planeta. Sua aldeia representando o mundo.
É assim o cinema de Alea: usando o microcosmo de sua aldeia e falando de coisas banais e corriqueiras ele alcança uma dimensão muito maior: o microcosmo representado o mundo, a dimensão humana e universal. Todos nós podemos nos reconhecer nos seus filmes, lá observamos a nós mesmos nos nossos conflitos e além de tudo simpatizamos com nossos semelhantes nas suas duvidas, paixões e esperanças e confirmamos de fato que nossa aldeia é o mundo.
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