sábado, 29 de maio de 2010

"Silvia Prieto", por Filipe Marcena


Silvia Prieto é o nome do filme. Você assiste e descobre que Silvia Prieto é uma mulher de 27 que acabou de se separar do marido e decidiu mudar de vida, conseguindo um emprego como garçonete e parando de fumar maconha. Também conhecemos seu ex Marcelo, uma moça chamada Brite que distribui amostras de um detergente que tem o mesmo nome que ela, um italiano que tem seu casaco Armani roubado por Silvia, e Gabriel, colega de Marcelo que é obcecado por desodorantes. Isso importa? Sim e não. Silvia Prieto, o filme, não é apenas sobre Silvia Prieto, a mulher. Nem mesmo é apenas sobre essas pessoas.

Estranha essa comédia do diretor argentino Martin Rejtman. Há algo de Eric Rohmer em seus personagens excêntricos e falantes e nos seus planos simples e funcionais, e também ares de David Lynch quanto ao comportamento das pessoas e na bizarra imprevisibilidade narrativa. Aliás, chamar o filme de “comédia” já é um rótulo suspeito, já que o humor de Silvia Prieto é extremamente sutil, esquisito. Na verdade é um filme quase repulsivo na estrutura episódica do roteiro, que é pecado para a maioria dos filmes, mas que é a base da criação de Rejtman. As conexões e eventos que ocorrem em Silvia Prieto são tão absurdos, a personalidade das criaturas que habitam esse filme é tão atípica que é impossível não se perguntar onde diabos aquilo tudo vai parar durante a projeção. Não há uma resposta satisfatória, mas, oh céus, o filme não é sobre a história.

Silvia Prieto, a mulher, prepara sempre quatro galinhas todo jantar, conta cada café que serve no restaurante onde trabalha e descobre que existe outra Silvia Prieto na cidade. Obcecada, a nossa Silvia decide conhecer a outra. Silvia também ganha de Brite uma boneca parecida com ela, que ganha seu nome. Já são três Silvias e a contagem ainda não terminou. Enquanto o filme discorre sobre o nada e sobre o quanto Silvia e companhia são superficiais, ocorre algo que prendeu minha atenção: os personagens comem muito, o tempo todo. De cinco em cinco minutos, alguém aparece num restaurante comendo alguma coisa. Ou comendo a galinha de Silvia Prieto, a primeira. Imagino se não teria sido essa a saída escolhida por Rejtman para nos aproximar daquelas pessoas, o estômago e a fome que une todos nós humanos. Funciona em partes, e não sei se pelas razões que o diretor desejava. Eu só queria saber se (e o quê) os amigos de Silvia estariam comendo na cena seguinte.

Reconheço um grande mérito em Silvia Prieto. Para um filme que depende tanto de acontecimentos corriqueiros e coincidências para se desenvolver, ele é muito mais bem sucedido que filmes como “Crash” (2004, Paul Haggis), “Babel” (2006, Alejandro Gonzáles Iñarritú) ou “Paris” (2009, Cédric Klapisch), pois, por mais imprevisíveis e incomuns que sejam seus personagens, existe uma naturalidade inegável na evolução das ações, a ponto de você questionar os absurdos que acontecem e ainda assim seguir em frente. Creio que se esse não fosse o caso, Silvia Prieto seria insuportável. E na verdade é um filme “agradável”, à sua maneira errática. Para terminar, Silvia Prieto ainda mostra uma reunião de Silvias Prieto contando histórias de suas vidas, sem se importar em nos dizer se elas realmente tem esse nome ou não. E não importa, afinal. O que importa é a experiência. Ainda não sei quem é – ou quem são - Silvia Prieto, mas dificilmente vou esquecer que a(s) conheci.

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