sábado, 29 de maio de 2010

"Terra em transe" por Kianny Martinez


Terceiro longa-metragem dirigido por Glauber Rocha, "Terra em transe" transcende o cinema novo ou seria o novo cinema? Grande resposta do cinema brasileiro ao golpe militar que ocorreu em 1964. Um dos filmes brasileiros que mais repercutiu até hoje, fruto do Cinema novo que surge no contexto de movimentos como a nouvelle vague francesa e o cinema independente norte-americano. Tendo por base os trabalhos realizados mundialmente no que diz respeito à utilização do cinema para difundir idéias e estilos que quebrassem com a hegemonia do cinema hollywoodiano. Assim construíram filmes que priorizavam a participação do espectador com o intuito de que esse assumisse uma postura crítica em relação ao conteúdo abordado nos filmes, rejeitando a idéia de massificação do produto audiovisual.

"Terra em transe" critica de forma até um tanto quanto satírica a grande figura do líder populista e a extensa ‘massa alienada’ que se deixa influenciar pelo mesmo. Pode ser interpretado também como uma grande parábola da história do Brasil entre as décadas de 60 e 70, enquanto que alegoriza em seus personagens diversas tendências políticas existentes no Brasil desta época. Além de realizar massivamente críticas a todos aqueles que participaram desse processo, incluindo as diversas correntes da chamada esquerda brasileira. Um dos motivos pelos quais foi tão mal recebido pela crítica e pelos intelectuais nacionais. Utilizando de um freqüente veículo utilizado pelo Cinema Novo, a alegoria, Glauber cria Eldorado, país fictício da América Latina, grande visão, já que o filme visa retratar a totalidade da América Latina e não só o Brasil.

A forma narrativa do filme é a forma com a qual Glauber transporta suas idéias políticas e sociais. A fotografia não é esteticamente tão bela, ela puxa bastante para o real, sem filtros e fazendo bastante uso da luz natural da cena. Fato que pode ser percebido pelo branco que às vezes se destaca na cena, a imagem “estourada” devido ao excesso de luz. As cenas causam até um pouco de estranheza devido à atuação um tanto quanto forçada dos personagens, o fato de não captarem o som direto e de Glauber dá ordens enquanto filmam para que se capriche na atuação também influência nesse fato. E assim percebemos uma espécie de carnavalização nas cenas de cunho mais político, o que marca bem o filme. Creio que de maneira proposital.

Mesmo com o excesso de alegorias tão utilizado no Cinema Novo e no próprio Terra em transe, não se vê reduzido à banalidade as questões complexas. Como poucos, ele explorou o lado mais forte e abstrato da linguagem cinematográfica: “É preciso libertar a imaginação e entender o cinema em seu plano audiovisual”, dizia ele.

Em “A alegoria histórica”, Ismail Xavier define muito bem a noção de alegoria como “a concepção de que um enunciado ou uma imagem aponta para um significado oculto e disfarçado, além do conteúdo aparente”. Assim, é visível a necessidade de inserir o espectador na obra para que ocorra a identificação dos processos alegóricos. Em Terra em Transe o convite à interpretação alegórica é traçado a partir de estratégias de montagem e principalmente da caracterização dos personagens a partir de sua posição política e social.

Como os dois outros filmes anteriormente realizados por Glauber, Terra em transe é paradigmático, onde a forte crítica social se une a maneira de filmar que pretendia quebrar totalmente com o estilo ‘importado dos EUA’. É impressionante a capacidade que algumas obras possuem de permanecerem atuais e com seu caráter reflexivo intactos mesmo com o passar do tempo. Cheio de estilo e de idéias era ele.

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