sábado, 29 de maio de 2010

“Iracema, Uma Transa Amazônica”, por Paulo Fernando de Sá


Filmado envolta do clima da construção da famosa Transamazônica, estrada que para grande parte da população brasileira seria uma das saídas para conectar o norte do país com as demais regiões, o filme Iracema, dirigido por Jorge Bodanzky e Orlando Senna, mostra, através de uma mescla do ficcional com o documental, a história de uma índia que sai de seu habitat de origem e começa a se prostituir. Além da personagem da índia, interpretada por Edna de Cássia, também existe a figura de Tião Brasil Grande, vivido por Paulo Cezar Pereio, que na obra é um caminhoneiro fascinado pelo suposto impulso de modernização que ocorre no Brasil da época, dos anos 1970.

Através de abordagens com facetas denunciadoras, jornalísticas e contestatórias é que o filme mostrou ao espectador brasileiro e internacional - pois o filme viajou por vários festivais fora do país – a real problemática do Brasil. É válido ressaltar que o governo da época estava estimulando a produção de filmes, e de outros meios de divulgação, que mostrassem ao povo o que o próprio governo estava fazendo em prol da nação. Não foi bem por esse caminho, porém, que Bodanzky, também roteirista do filme, decidiu caminhar, apesar do filme ter esse propósito no princípio. Há presença de vários planos de duração longa, acima da esperada, retratando queimadas, desmatamentos, precariedades de higiene; a câmera na mão também se faz presente durante praticamente todo o filme, retratando verdadeiros depoimentos de pessoas, as quais serviriam como figurantes, sobre suas condições e situações de vida; o zoom e o close-up são recursos usados para enfatizar o banal, mostrar os diferentes rostos de diferentes pessoas , as diferentes ações, os olhares perdidos.

O personagem de Pereio é a representação da adesão ao governo da época, ou pode ser encarado como o próprio governo. Sempre defendendo o processo de modernização do governo brasileiro nas suas conversas nos diferentes municípios em que visita, Tião faz com que contestemos a atuação do governo no país, ou seja, instiga nosso olhar crítico a respeito da situação. Há um contraste claro entre a posição exercida pelo personagem de Pereio e a real situação do país mostrada no filme, onde os problemas ecológicos – desmatamentos e queimadas – e sócio-econômicos – prostituição, tráfico de seres humanos e mau planejamento na administração do dinheiro público – se mostram tão gritantes.

O filme mostra, através de clara tomada de posição, sendo esta nada pacífica, muito mais que a trajetória de uma indiazinha rumo à prostituição e decadência. Critica a situação sócio-econômica e ecológica brasileira, assim como levanta questões que permanecem em voga até hoje.

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