domingo, 27 de setembro de 2009

"MEMÓRIAS DO SUBDESENVOLVIMENTO" por Luiz Marcos de Carvalho


Logo a partir do título o filme nos mostra que não é o que parece ser. Pelo título somos levados a pensar que o tema principal do filme é o subdesenvolvimento latino americano, em particular o de Cuba, país de origem da película. Mas não é bem assim.

É verdade que a história se passa em Cuba, dois anos após a derrubada do governo de Fulgencio Batista e da instalação do regime comunista, mais precisamente no período compreendido entre a invasão da Baía dos Porcos e a crise dos mísseis soviéticos, época em que a permissão para deixar o país ainda não estava de todo vedada.

A revolução cubana é apenas o cenário, o pano de fundo do filme que trata principalmente das memórias de um escritor que fica sozinho em seu país, ao contrário de sua ex-esposa e de seus pais que optaram por sair de Cuba e mudaram-se para os Estados Unidos da América.

O filme é baseado no livro de Edmundo Desnoes, renomado escritor cubano, intitulado “Memórias Inconsoláveis. “

O grande cineasta francês Alain Resnais, que dirigiu entre outros filmes célebres, “Hiroshima Mon Amour!” disse uma vez que sempre desejou ter uma memória inconsolável.

São, portanto as memórias inconsoláveis do protagonista Sérgio, o objeto principal do filme. E suas memórias são amplas e abrangem múltiplos aspectos: político, social, profissional, emocional, afetivo, todos, enfim.

Por meio dessas memórias o diretor faz um longo e sinuoso percurso sobre os temas os mais variados, porém inseridos no contexto histórico do país no período a que já nos referimos.

O filme, como também o personagem são fortemente ambíguos e difíceis de definir. O filme é uma mistura de documental e ficção. Segundo o próprio diretor, Tomas Gutierrez, “ele é uma colagem com um pouco de tudo”.

O filme está continuamente alternando cenas documentais, com cenas de ficção, sonhos e desejos, com realidade. Godard disse que “todo grande filme de ficção deriva na direção do documentário e vice-versa.”


O diretor utiliza um estonteante arranjo de materiais e estilos fílmicos, como uso de câmera na mão, bem como de montagens agitadas que lembram os filmes de Eisenstein e mostram também algumas influências do neo realismo italiano.

O protagonista representa uma personagem ambivalente incapaz de se definir, não só politicamente, mas em quase tudo na vida. Ele não deixou o país, numa época em que poderia tê-lo feito, mas essa não foi propriamente uma decisão firme, deliberada, mas a opção de deixar as coisas como estavam, porque isso era mais cômodo.

Durante todo o filme essa dubiedade e falta de firmeza de caráter vão sendo mostradas. Seu relacionamento com a ex-esposa, com uma namorada alemã de quem gostava muito, mas a quem teve de renunciar por terem-no obrigado a cuidar de uma certa loja, o que inviabilizava seu “projeto “de ir viver com ela em outro local. Mais tarde, ao recordar esse episódio ele se arrepende de não ter sido capaz de tomar a decisão de permanecer com ela.

Em uma cena, a jovem namorada cubana com quem se relaciona após ficar sozinho em Havana, questionando sua posição política, chega à conclusão de que ele não é nem revolucionário nem contra a revolução, afirmando-lhe categoricamente: “não és nada.”

Ele também tem consciência da realidade que o cerca, como nos mostram as cenas em que aparecem crianças subnutridas e pessoas miseráveis, mas isso também não é suficiente para que ele se posicione, mas apenas para que mergulhe mais ainda em suas dúvidas e incertezas.

Semelhante indefinição transparece também em relação ao filme que não se posiciona de maneira clara em relação à revolução cubana, deixando para o espectador o juízo de valor sobre a questão.

A esse respeito são esclarecedoras as palavras do diretor sobre o seu filme e do seu ponto de vista sobre o cinema: “ O cinema provê um elemento ativo e mobilizador que estimula a participação no processo revolucionário.. Então não é suficiente ter um cinema moralizante, baseado em arenga ou exortação. Precisamos de um cinema que promova e desenvolva uma atitude crítica.. Mas como criticar e ao mesmo tempo fortalecer a realidade na qual estamos imersos.”

O trabalho do diretor de Memórias do Subdesenvolvimento é representativo do movimento cinematográfico das décadas 60/70 que ficou conhecido como “Cinema Novo Latino Americano”, também referido como “Terceiro Cinema”, ou ainda “Cinema Imperfeito” o qual estava intimamente ligado à temática do neocolonialismo e na busca de uma identidade cultural para a América Latina.

As cenas finais do filme mostram o protagonista em imagens gradualmente mais e mais desfocadas, granuladas e desconstruídas, indicando a total dissolução do personagem em seu mundo de incertezas e indefinições.

Um comentário:

  1. Acredito que na realidade o filme é mais sobre o subdesenvolvimento do que sobre as memórias do escritor. O subdesenvolvimento, para o personagem, é demonstrado nas pessoas, na conduta das pessoas, nos intelectuais na vida solitária naquele país que não oferece uma vida digna para si, nem para os outros.

    ResponderExcluir