domingo, 18 de abril de 2010

" Bonança. Tempestade. (Post Hoc Ergo Propter Hoc) – Uma Visão De ‘Subida Ao Céu’ de Luís Buñuel" por Victor Laet



O mundo pode ter substituído as aventuras no mar por horizontes de carbono e areia, mas parece que, ainda sim, navegar é preciso. ¡Vale!, não, a navegação agora não proporciona mais os mistérios do mar, entretanto presenteia com estradas tão incertas quanto as ondas do sul e/ou personagens tão exóticos quanto sereias e leviatãs. Se esta afirmação soa boba, pelo menos cinematograficamente navegar é preciso. Andar é preciso. Locomover-se é preciso. Palavras de lado, filmes que abraçam a idéia de road movie sempre tiveram significativos resultados.

Podendo ser sentimentais como ‘História Real’ do David Lynch ou sentimentalóides como “Thelma & Louise” do Ridley Scott; cults como “Sideways” do Payne ou vanguardistas como “Viajo porque preciso, volto porque te amo” de Marcelo Gomes e Karim Aïonuz; honestos como “E tua mãe também” do Cuarón ou melodramáticos como “Central do Brasil” do Walter Salles; até mesmo nervosos como “O Estranho Caminho de São Tiago – A Via Láctea” do Buñuel. Enfim, é inegável o valor do road movie, especialmente no cinema ocidental não hollywoodiano.

Em 1952, Buñuel estava no México e 17 anos o separavam da feitura da cognominada heresia cinematográfica, “A Via Láctea”, contudo seus trabalhos em solo não-europeu já sugeriam características da sua linha de trabalho com a película. “Subida ao Céu” é o que o próprio cineasta caracterizava como um ‘cinema-para-comer’. Trabalhos mais comerciais os quais o ajudavam na arquitetura de produções mais ousadas. Mas apesar de não ser um clássico deste espanhol, naturalizado mexicano, “Subida ao Céu” pode ser considerado um road movie (independente da sua excelência)?

Uma narração onipresente [ - melodrama - ] apresenta e educa a platéia sobre uma remota cidadela litorânea e seus costumes. San Jeromito. Nesta vila um coqueiro vale tanto quando uma vaca e todos os recém-casados tem sua noite de núpcias numa ilha. Todos são festeiros e felizes. Outra coisa, não existe igreja nem padre na ilha. Talvez uma cutucada do ateu fanático e crítico extremo da igreja católica, mas um pífio talvez. A história tem seu ponto de partida quando dois jovens (Oliverio e Albina) recém-casados têm sua lua-de-mel interrompida pelo irmão de Oliverio. A mãe dos irmãos está no leito de morte e exige a presença do filho.

Na família de Oliverio existem, respectivamente, quatro homens: o irmão mais velho, Oliverio, o irmão caçula – todos adultos – e o netinho Chuchito. A pressa da matriarca se dá pela certeza de que seus dois filhos [o mais velho e o mais novo] querem a todo custo a partida da velha somente para serem donos definitivos dos bens [lembra Rei Lear...]. Ela ordena ao filho do meio que ele vá até uma cidade chamada Petlatan para poder passar os bens mais importantes para o neto, Chuchito. O filho, então, adentra um ônibus, onde se depara com inúmeros personagens, para enfrentar as falhas e segredos da eclética geografia mexicana.

Buñuel mostra – divertida e inteligentemente – que o trajeto é uma metáfora para a vida e, no caso, a vida da família do protagonista. Assim como as estradas, tem altos e baixos (Oliverio acaba de se casar e está prestes a perder a mãe), tem vilões e inocentes (os irmãos do protagonista e o neto de sua mãe), e escolhas essenciais (abandonar a moribunda para assegurar suas últimas vontades correndo o risco de ser vítima de fraude pelos irmãos). Face essas questões, “Subida ao Céu” é um filme assaz moralista, pois a viagem do ônibus age como uma réplica da dificuldade de fazer a coisa certa ante um mundo imprevisível [ - melodrama - ]. O percurso percorrido é preenchido com frustrações, distrações, tentações e metas de difícil alcance, tudo isso alternando entre momentos de felicidade.

Depois de uma parada num vilarejo entre as duas cidades, Oliverio segue guiando o ônibus por conta própria e somente na compania de Raquel (personagem mais bem desenvolvida e melhor atuação do filme), uma conterrânea a qual o segue durante a viagem com o único intuito de seduzir-lo [desejo esse brilhantemente enfatizado no hábito desta personagem em morder maçãs e cuspi-las depois de algumas mastigadas].

Nesse momento, os dois passam pela ‘Subida ao Céu’ (o título do filme vem de um trecho íngreme e estreito localizado no alto de uma montanha, o qual deve ser atravessado caso queira-se chegar à Petlatan, logo o título é um recorte da diegese). Bombardeados por (in)diretas de Raquel e dirigindo um trecho perigoso no meio de uma tempestade, Oliverio não resiste. Uma vez que chega ao topo, ele conhece a queda, pois se deixara tentar. Assim, o protagonista se devia do caminho da moral e trai tanto a esposa quanto os desejos de sua mãe. E como “Subida...” é um filme do Buñuel qualquer analogia com Cristo sendo tentado ou Eva ‘arruinando’ Adão não é nada errônea. A fraqueza do personagem o guia para própria derrota. E mais uma alfinetada do diretor, pois é no pico, no exato fim do percurso da subida ao céu, ou seja, em frente à porta de entrada do paraíso, ocorre o pecado. E a ironia persiste: sendo puro e agindo não por si, as circunstâncias o levaram a ser desonesto e doloso, como seus irmãos fazem na forma como tratam a partilha dos bens maternos.

No final desta puntiforme migração, o filme provê o público com o nascimento de uma criança, a morte de outra e outra a qual deve guiar àqueles que assistem a trama, o que deixa a sugerir uma possível continuação da história – mas isso nunca ocorreu.
“Subida ao Céu” é um grito fílmico cujo eco pode ser visto em “Caminhos das Nuvens” de Vicente Amorim ou “Histórias mínimas” do Carlos Sorín. Com a pretensão de apenas alimentar-se, Buñuel realizou um filme que pode agradar de otimistas – como pode ser visto na cena final, apesar de tudo, a vida sempre continua – ou pessimistas, pois uma vez que se sobre ao céu, não há lugar algum a ir, senão para baixo.

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