domingo, 18 de abril de 2010

"O padre e a moça" por Rafael de Almeida


Realizado durante a época do Cinema Novo Brasileiro, onde Glauber Rocha e outros cineastas usavam o cinema como um veículo transformador e revolucionário, o Padre e a Moça, de 1965, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, chega para ficar no limiar entre um filme dramático e denunciador do estado social presente naquele momento.

Baseado em um poema de Carlos Drummond de Andrade, o filme se inicia com a chegada de um novo padre (Paulo José) em uma isolada e paralisada cidadezinha de Minas Gerais para substituir outro que havia morrido. O novo padre mudará a vida até então imutável de algumas pessoas dessa cidade, em especial Mariana (Helena Ignez), uma jovem e triste moça (a única jovem que se vê na cidade), que vive com pai adotivo e ciumento Fortunato (Mário Lago). Mudará, acima de tudo, a vida do próprio padre.

O filme é bastante depreciativo em relação ao cenário, apesar da bela composição de imagens da fotografia de Mário Carneiro. Apesar dos planos não serem tão fechados, sentimos com muita clareza, a solidão, o abandono e a sensação de enclausuramento exalado pela cidade e seus habitantes nos claros e escuros que iluminam o quadro. Os próprios diálogos dos moradores reclamam sem entusiasmo da falta de mudanças no local e parecem vegetar em uma situação de desespero. Eis então que Mariana, a jovem que vive aprisionada por Fortunato, se apaixona pelo novo padre colocando-o em uma situação de extrema dúvida. Aliás, o pai de Mariana suspeitava que a moça tivesse um relacionamento com o padre anterior e nunca sabemos se isso ocorreu ou não. Em uma cena que mais parece um flashback, vemos Mariana se relacionando com o sempre bêbado Vitorino (Fauzi Arap) revendo traços de uma garota que não deseja ficar submissa. O filme se desenrola neste combate psicológico travado pelo padre que está sempre sendo tentado por Mariana que tenta a todo custo fazê-lo “cair em tentação”. Por fim, o padre toma uma atitude desesperada e atormentada pelas dúvidas. Resolve fugir com Mariana para Diamantina em uma jornada árdua onde ele deverá tomar sua decisão. Com este ponto de virada na história, também ocorre uma grande mudança na estrutura narrativa do filme. Até então bastante linear e até mesmo clássico, o filme seguia seu curso muito naturalmente sem grandes descontinuidades. No entanto, durante esta viagem, a dúvida carregada pelo padre é incorporada na montagem fazendo com que o espectador até então acostumado ao “modelo” anterior tenha uma reação de estranheza e confusão. No fim, o padre padece diante do desejo e entrega-se a Mariana em bela e metafórica cena onde uma vemos uma fogueira.

O filme não assume uma posição radical de denúncia como os exemplares do Cinema Novo mais emblemáticos, mas a maneira como mostra a estatização de uma cidade pobre e como uma medida desesperada e corajosa pode culminar em uma mudança mesmo que proibida revela sem dúvidas um traço funcional de cinema-panfleto da época. Porém, neste filme, este traço revela-se mais sutil pois o embalo do drama e das ótimas atuações mascaram essa posição tornando a tudo mais apreciativo.

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